quarta-feira, 31 de janeiro de 2001

A MISÉRIA DO CAPITAL 6

Até o ano que vem, em Porto Alegre
CONTARDO CALLIGARIS

DE PORTO ALEGRE

Na última manhã do Fórum, a cerimônia de encerramento está atrasada. O plenário, repleto, entoa coros. Paro na frente da sala de imprensa, que já começa a esvaziar. Uma faixa chama a minha atenção: "Legalizar o aborto é possível" -é o resto de uma pequena manifestação do dia anterior. De repente, estranho: num país onde as mulheres encaram o pesadelo dos abortos artesanais, um Fórum dito Social mal tocou no assunto. Também a presença feminista foi tímida. Havia um estande do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids e certamente houve oficinas preocupadas com o cotidiano dos corpos e dos desejos. Mas foi difícil encontrá-las.

Até visualmente o Fórum foi dominado pelos bonés vermelhos da CUT, as bandeiras do PT e os bonés verdes da Via Campesina. Nada parecido com o caleidoscópio de cores que é esperado nos encontros da nova revolta, depois de Seattle.

Em poucos minutos, no saguão meio vazio, seis delegados de oficinas diferentes me abordam. Cada um me entrega uma cópia do relatório de sua oficina. O leque vai desde um projeto de arte ecológica até a idéia de constituir uma democracia representativa mundial via Internet. A alma de meu defunto tio Ubaldo, anárquico e fanático do esperanto, deve estar nesse saguão, com seu sonho de língua universal na mão.

No entanto, no plenário, cantam "Guantanamera". Parece um resumo do Fórum: aqui no saguão, delegados de oficinas que ninguém notou procuram um último jornalista para quem confiar sua mensagem. E, na sala, bandeiras, coros, celebrações e holofotes.

A imprensa caiu na armadilha. Cobriu os comícios e entrevistou os políticos de sempre para receber as respostas de sempre. Às quatro da madrugada de ontem, heróicos repórteres escutavam mais uma coletiva de José Bové. O agricultor francês mereceria o codinome de "Lavoura arcaica": defende um protecionismo absoluto em agricultura, que seria um desastre para qualquer produtor brasileiro e que, na França, é uma carta da luta imperial francesa contra a cultura americana. E nós com isso? Os repórteres cobriam, na verdade, o MST que adotou Bové. Seguiam os holofotes manobrados pelas organizações da esquerda tradicional.

Anunciam, enfim, que o Fórum de 2002 será de novo em Porto Alegre. Ótimo. O governo do RS e a prefeitura da capital gaúcha se qualificam para hospedar o Fórum não por serem do PT, mas por realizarem uma nova forma de participação popular na administração da coisa pública.
Seria bom lembrar isso na hora de organizar e convocar 2002. Essa exortação vale apenas se existe a intenção de que Porto Alegre hospede, em 2002, um Fórum da nova esquerda -coisa que o Fórum que acabou ontem não conseguiu ser.

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