quinta-feira, 18 de janeiro de 2001

O adolescente deprimido e a professora inválida



Converso regularmente com um adolescente de 17 anos, exasperado e deprimido. Ele já teve outras experiências terapêuticas forçadas e não aguenta mais falar de pai, de mãe, de irmãs e de companhia. Em geral, comentamos as notícias do dia.

Na semana passada, ele foi atraído por uma história "edificante". Uma universidade americana dedicara um anfiteatro a uma professora de escola primária e secundária que, depois de uma longa carreira de ensino, foi paralisada pela doença de Lou Gehrig (uma distrofia muscular progressiva) e seguiu ensinando. Quando perdeu a voz, passou a ensinar surdos-mudos. Na reportagem, ela estranhava a atenção e os elogios: era uma mulher em paz com ela mesma e com o mundo, sem furores caritativos ou vocações martirológicas. Sua vida parecia simplesmente normal.

Meu jovem amigo comentou que, se estivesse no lugar dela, já teria acabado com sua própria vida. Essa idéia, concordei, passaria por qualquer cabeça. Mas por que a professora não foi por esse caminho?

Claro, se ela atravessasse a vida como uma prova aos olhos de Deus, poderia encontrar conforto na perspectiva de uma recompensa final. Mas como seria possível essa existência - ao mesmo tempo dura e tranquila- sem o recurso da fé religiosa? O insuportável numa doença como essa, afirmou então meu interlocutor, são os limites, as impotências.

Notei que há uma infinidade de coisas que não conseguimos fazer. Afinal, não sei voar, nem ficar sem respirar por mais de dois minutos. Com paciência condescendente, meu amigo explicou que essas são coisas que ninguém consegue fazer. O que dói, acrescentou, é não conseguir fazer as coisas que os outros conseguem. E declarou que, se tivesse uma invalidez grave, talvez ele pudesse seguir vivendo, mas só entre pessoas tão inválidas quanto ele. Conclusão da conversa: o problema não é a invalidez, o problema são os outros. Melhor dizendo, a necessidade de se comparar aos outros.

Voltemos à professora. Ela transmitia uma sensação de paz justamente porque, pelo menos na aparência, escapava ao demônio da comparação. Justificava sua vida em si. Parecia ter nascido como um soldado ao seu posto, com uma tarefa definida. Que chovesse ou fizesse sol, que ela estivesse saltitante ou paralisada, tanto fazia, pois ela era professora, sua vida era ensinar.
O demônio da comparação não é um acidente, nem uma patologia. Ao contrário, talvez seja a norma social contemporânea: é nos comparando aos outros que encontramos nosso lugar, nossa função e nosso valor.

Essa arquitetura social comparativa foi inventada na esperança de produzir uma sociedade livre e mais justa. De fato, se todos se definem por comparação, todos podem mudar, evoluir, crescer. Ninguém é forçado a exercer uma função, ninguém tem sua vida decidida pelo berço em que nasceu ou pela cor da pele. Mas há um paradoxo: a sociedade assim produzida acarreta um potencial inédito de exclusão. Pois qual lugar sobra para quem não tem recursos para competir?

Quem, por qualquer razão, não pode encarar a comparação é mais excluído do que os párias numa sociedade de castas ou os escravos do passado. O horror moderno é que as vidas humilhadas, impedidas ou azaradas não encontram mais justificação nenhuma na ordem da sociedade e do mundo: elas são puras derrotas. A não ser, evidentemente, que a gente consiga seguir um pouco o exemplo da professora e encontrar sentidos para a vida que não sejam comparativos.

Olho para meu jovem amigo. Visivelmente não se lava há mais de um dia. Nem o rosto. Sua roupa é manchada e muito amassada. Deve ter dormido com ela.

Sua tristeza e seu desleixo não se confundem com o estilo "excluído-fashion" -feito, sei lá, de cabelos amarelos e calças rasgadas à Xuxa. Muitos adolescentes manifestam algum desprezo pela ordem moderna do mundo - por exemplo, pelas coisas que os adultos prezam, só para serem invejados pelos outros. Quase sempre é um fazer de conta salutar: os adolescentes parecem querer se subtrair do jogo adulto das comparações, mas é uma atitude que serve para eles tornarem-se incomparáveis. Essa revolta banal é um momento padrão no processo de assimilar a sociedade dos adultos.

A depressão de meu jovem amigo está um pouco além disso. Ele é mesmo apavorado e revoltado pela corrida que o espreita, aquilo que chamam de vida. Pior, ele se desespera porque sabe que sua raiva e sua indignação são mais alguns elementos desprezíveis de conformismo, apenas maneiras banais de querer ser diferente.

Trouxe-me a história da professora para formular uma pergunta: será que há como inventar uma vida que se justifique por algum mérito intrínseco? Será que dá para sonhar com uma maneira de viver que não deveria tudo ao olhar dos outros?

Pois é, competir, se distinguir, brilhar são as formas básicas de nossas relações sociais. Mas eis um aviso aos pais e aos adultos que gostariam de ser escutados por jovens e adolescentes: a professora, de sua cadeira de rodas, pode falar mais alto do que muitos Bill Gates.

Nenhum comentário:

Postar um comentário