Jenna Franklin é inglesa e terá 16 anos no dia 23 de agosto deste ano. Para seu aniversário, os pais lhe oferecerão implantes de silicone nos seios. A praxe é esperar até mais tarde (depois dos 20 anos) para que a intervenção modifique um corpo que já tenha parado de crescer. Mas duvido que a moça não encontre um cirurgião disposto a operá-la logo. Tanto mais que os pais generosos são conselheiros profissionais em cirurgia plástica. E a mãe é uma veterana que fez seios, nariz, bochechas e duas lipos.
Essa notícia fez recentemente a primeira página dos tablóides ingleses. Prevaleceram as expressões indignadas contra nosso mundo que cultua as aparências: onde iremos parar se os pais autorizam ou, pior, transmitem diretamente o dever de agradar aos outros? Que desastre moral se prepara? E por aí vai.
A história e a polêmica se tornaram um despacho da Associated Press do começo de janeiro -que é minha fonte.
Jenna e sua mãe, Kay Franklin, foram entrevistadas. Jenna disse que desejava seios maiores desde os 12 anos e, questionada por que, acrescentou: "Precisa ter seios para ser bem-sucedida". E ainda: "Uma pessoa em cada duas na televisão teve implantes. Se eu quiser ser bem-sucedida, devo tê-los também e eu quero ser bem-sucedida, embora no momento ainda não saiba no quê". E enfim: "Só quero ser feliz com o meu corpo".
Kay, a mãe, declarou: "Há tantas jovens que se deprimem ou se atrapalham por causa de sua aparência. Então, se der para fazer algo para evitar isso, ótimo".
Gosto dessa história pelas reações que produz. Faça a experiência: conte para alguém. Na enorme maioria dos casos, a resposta será despropositadamente indignada. Como pode essa mãe desnaturada induzir na filha uma tal religião das aparências?
Antes de jogar mais uma pedra, pense um pouco: será que o presente da mãe de Jenna é essencialmente diferente do gesto das numerosas mães que oferecem academias, spas e regimes a suas filhas? Ou mesmo que lhes impõem aparelhos ortodônticos que parecem cabrestos?
Na verdade, a mãe de Jenna não é diferente de nós. Ela é a banalidade da maneira moderna de amar os rebentos: queremos que eles seduzam bem além do que nós conseguimos. Não imaginamos uma forma de felicidade, uma gestão do prazer ou uma forma de sucesso que não passem pela conquista da aprovação dos outros. E como não querer a felicidade de filhos e filhas?
Quanto a Jenna, sua fala vale um livro ou dois sobre o tema do narcisismo. Ela nos explica que a relação com nós mesmos, nossa maneira de julgar a imagem que aparece no espelho passa sempre pelo olhar dos outros.
Jenna quer ser feliz com o seu corpo. E acha que isso acontecerá quando ela fizer parte do grupo de implantadas que povoam a tela da televisão. Aparecer na televisão não é concretamente um ideal para Jenna (ela não quer ser apresentadora, nem modelo, nem atriz), mas é uma boa metáfora do sucesso narcisista, pois é provável que quem está na televisão seja aprovado pelo olhar dos espectadores.
Ou seja, Jenna quer (e deve) ser gostada para se gostar. Esse sucesso narcisista é um fim em si: o campo no qual ela poderia ser bem-sucedida é indiferente. A fantasia de Jenna é o sucesso que os seios lhe darão: a profissão em que os mesmos seios poderiam promovê-la não alimenta seus sonhos.
A vida de Jenna, mesmo com os seios novos, não será fácil. Como não é fácil, em geral, a vida de todas as nossas jovens -se suas mães se parecem com Kay. A dificuldade não está na tarefa de serem bonitas, mas na impossibilidade de definir um cânone.
Se o cirurgião fizer um bom trabalho, homens, mulheres e a própria mãe, todos poderão adular os seios perfeitos de Jenna. Mesmo assim, aposto que a moça não parará de achá-los insuficientes, exagerados, assimétricos, desproporcionados etc.
A dificuldade do narcisismo moderno não reside na tarefa de agradar, mas na perpétua insegurança. É inevitável: se a tarefa da vida for agradar aos outros que nos importam, nenhum olhar será definitivo, nenhum elogio e nenhum amor bastarão para decretar que o seio é perfeito. Pois o julgamento dos outros é uma suposição nunca resolvida. Podemos contar as pétalas da margarida (me ama, não me ama, me ama...) ou modificar o corpo (mais silicone, menos silicone...).
Na mitologia grega, um salteador chamado Procusto espreitava os viajantes. Queria forçar cada um deles a caber perfeitamente num leito. Esticava ou cortava fora os membros dos infelizes. Para o sujeito moderno, o problema não é evitar Procusto, mas encontrá-lo, para saber enfim o que precisa cortar e o que esticar. Encontro impossível: Procusto é apenas um mito.
P.S.: A procura de Procusto não é um problema só feminino, tipo: as mulheres sempre quiseram ser desejadas etc. Os homens e os rapazes das últimas décadas pensam como Jenna e sofrem da mesma incerteza. Na próxima coluna, comentarei pesquisas recentes sobre essa mudança na relação dos homens com seus corpos.
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