quinta-feira, 10 de julho de 2003

Sonhar com o fim do mundo



Fui assistir a "Exterminador do Futuro 3" porque gosto das histórias de fim do mundo.

Como a estréia do filme no Brasil está prevista para o dia 1º de agosto, só uma pequena antecipação. Os espectadores do "Exterminador" 1 e 2 (que, em regra, gostam de apocalipse) fiquem sossegados. Apesar da luta de Sarah Connor e do heróico suicídio do exterminador número 2, a catástrofe só pode ser retardada, não evitada. Era lógico que fosse assim. Se nunca chegasse o mundo futuro em que as máquinas tentarão acabar com os humanos, não existiriam o tempo e o lugar de onde os exterminadores voltam para o passado, com o intento de modificá-lo. Ou seja, a história da série "Exterminador" não aconteceria.

Mas vamos ao essencial: gostamos de sonhar com o fim do mundo. Uso o plural, pois, obviamente, não sou o único. O apocalipse é um vasto gênero narrativo. Fora os romances, uma filmografia detalhada já seria indigesta. Ela comportaria diversas seções.

Há o fim do mundo por invasão sideral, de "A Guerra dos Mundos" (1952) a "Independence Day" (2001). Há o fim do mundo tipo "Impacto Profundo" (1997), por choque com um imenso meteorito. Há o fim do mundo biológico, de "A Última Esperança da Terra" ("The Omega Man", 1971) à minissérie "The Stand", de 1994 (o livro de Stephen King, traduzido como "A Dança da Morte", é bem superior ao filmado). Há o fim do mundo pela revolta de bichos, mortos-vivos e afins, desde os vários "Planeta dos Macacos" até "Reino de Fogo" (2001). E há o fim do mundo mais popular, por catástrofe interna e, de alguma forma, merecida, nuclear ou não: a trilogia de Mad Max, os filmes de Kevin Costner "Waterworld - O Segredo das Águas", de 1995, e "The Postman - O Mensageiro", de 1997, a série dos exterminadores, "Matrix" 1 e 2 etc.

De nacional, vale lembrar, ao menos, o romance "Blecaute", de Marcelo Rubens Paiva.

O tamanho do gênero mostra que o sonho de apocalipse é parte integrante da cultura popular contemporânea. Resta se perguntar por quê.

Jacques Lacan, o psicanalista francês, disse uma vez que não poderíamos aguentar nossas vidas se não tivéssemos a certeza de que, um dia, essa história vai acabar. É uma inversão provocadora de uma idéia do senso comum segundo a qual conseguimos viver só à condição de esquecer o caráter efêmero da vida e do mundo. O que é mais intolerável: que a coisa acabe um dia ou que não acabe nunca? Difícil dizer.

As histórias de fim do mundo respondem a essa alternativa incômoda sugerindo uma terceira via. O essencial, nelas, não é que o mundo acabe, mas é o destino dos escassos sobreviventes. Pois sempre há sobreviventes.

Para eles (e nós, de qualquer modo, fazemos parte do grupo, não é?), o fim do mundo é o fim da complexidade e da frivolidade da vida.

Acaba a preocupação com redes incompreensíveis de poder econômico, político e social. Acaba o cuidado com as aparências, com as seduções e com as mentiras que decidem nosso lugar na sociedade. Acaba a incerteza que nos leva a questionar nosso próprio desejo como se fosse o oráculo de Delfos. Acaba a mesquinhez de nossos dramas amorosos.

Tudo fica claro. Os inimigos são evidentes, sejam vírus, vampiros, máquinas ou extraterrestres. Por serem inimigos dos humanos em geral, eles estabelecem de vez e imperativamente nossa unidade: quem se importa com religiões, etnias, ressentimentos e dívidas passadas diante da ameaça de extermínio? Copular torna-se necessário para garantir a continuação da espécie, e, francamente, não há tempo para procurar um parceiro de ombros mais largos ou uma parceira mais peituda. As tarefas são facilmente definidas: a miragem do sucesso não faz sentido, é preciso encontrar gasolina, abrigo, armas e comida.

O fim do mundo satisfaz todas as nostalgias, prometendo aos sobreviventes a volta a um mítico mundo pré-moderno. O apocalipse nos livra da indeterminação e da insatisfação do desejo; entramos num cenário simples, autêntico, dominado por necessidades imediatas. Que alívio.

De repente, uma lembrança de infância. Aos 12 anos, leitor assíduo de ficção científica, a cada noite, na cama, antes de dormir, oferecia-me de presente um pequeno devaneio: no meio de meu sono, chegariam os marcianos, decididos a nos aniquilar. Seu raio destruidor cairia, naturalmente, bem em cima de minha escola. Acordaria, no dia seguinte, num universo transformado. Nada de interrogações, provas e testes: quem ousaria me perguntar as declinações latinas na hora de coordenar a resistência terrestre?

Nada de esconder meu interesse pela pequena Loredana, que se sentava no banco da frente, pois, de qualquer forma, jovens casais seriam decididos por sorteio, para fortalecer e renovar a espécie. Nada de me perguntar angustiado o que seria minha vida adulta, pois a ameaça faria do presente nosso único tempo verbal. Chegando, os marcianos exterminariam as obrigações vindas de meu passado e o peso de meu futuro.

PS: Quatro ou cinco anos mais tarde, meus sonhos revolucionários radicais talvez pertencessem ao mesmo gênero literário.

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