quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

Moralistas imorais

Uma queixa banal e barulhenta repete que a modernidade vai para a perdição. Aliás, parece que já foi: sumiram os valores que orientavam nossos pais ou, no mínimo, nosso avós. Dizem que ficamos como baratas tontas, sem rumo e sem critérios para distinguir o bem e o mal.
Pois bem, penso o contrário. A modernidade é uma época profundamente moral, de uma maneira inédita pela forma e pela intensidade.

A novidade é que valores e princípios não são respeitáveis por sua origem. Se foi Deus quem disse ou foram os anciões que nos legaram, tanto faz: de qualquer forma, isso não basta. Cada um de nós, em seu foro íntimo, tem a responsabilidade de decidir o que é certo e o que é errado. Tarefa difícil: visto que recusamos a autoridade (divina ou tradicional) das normas, nosso julgamento é sempre concreto. Claro, adotamos princípios gerais, que são os mesmos de sempre; mas, para nós, a moralidade de um ato só pode ser decidida examinando sua complexidade efetiva.

Por exemplo, "não roubar" é um bom princípio. No entanto, como fica se alguém rouba do narcotráfico para financiar um hospital? Roubar a mercadoria de uma loja por um irresistível impulso neurótico é diferente de roubar a mesma para revendê-la na esquina, não é? Ou ainda, ser deputado e extraviar dinheiro público é menos ou mais grave do que assaltar cidadãos no farol?

Não é suficiente verificar se um ato é ou não conforme à regra instituída, ainda devemos perguntar: "O sujeito desse ato, na infindável complexidade de suas motivações e do contexto, agiu justamente ou não?".

Ora, não há como julgar os outros (suas intricadas motivações e reações) sem aceitar que eles são meus semelhantes e sem, de alguma forma, identificar-me com eles por um instante. Para julgar, preciso entender os outros e, para entendê-los, preciso me conhecer o suficiente para encontrar em mim mesmo todos (ou quase) os traços da diversidade humana.

É reconhecendo em mim os desejos (reprimidos ou não) de matar, roubar, fornicar etc. que ganho a capacidade e a autoridade para avaliar as condutas de quem, eventualmente, reprime esses mesmos desejos menos do que eu.

O interesse pela psicologia, desde a franqueza exacerbada de Montaigne até a psicanálise, passando pela introspecção romântica, é uma condição cultural necessária da moralidade moderna. Quem não investiga e não reconhece sua própria complexidade não pode avaliar a complexidade das motivações de seus semelhantes.

Claro, a especificidade da moralidade moderna atrapalha qualquer atitude normativa, a começar pela administração da Justiça: para os modernos, julgar é difícil e condenar é penoso. Pois mesmo o criminoso hediondo ganha, para nós, figura humana. E, bem aquém do hediondo, como jogar pedras na adúltera? E na mãe que não quer que sua filha de 12 anos tenha um filho?

A forma da moralidade moderna não é o veredicto, mas a pergunta. Para nós, é moral quem passa constantemente pelos impasses insolúveis de questões morais concretas. E é propriamente imoral o moralista, que declara saber de antemão o que é o bem e o que é o mal.

O moralista é imoral porque, julgando o próximo segundo um sistema de regras instituídas, ele evita o rigor da exigência moral moderna. Castigar os outros é, para ele, o melhor jeito de desconhecer seus desejos menos confessáveis. Ou seja, o moralista condena para se absolver.

E há mais: o moralista escolhe a dedo os princípios que ele reconhece e quer impor ao mundo. Como ele supõe que o funcionamento da moral seja igual ao dos códigos penais, ele presume que seja permitido tudo o que não é proibido pelas normas que ele escolheu. Com isso, a preocupação moral do moralista é seletiva.

Por exemplo, ele pode censurar e condenar a interrupção de gravidez, os métodos anticoncepcionais, o uso de células-tronco para pesquisa, a pornografia e a libertinagem e, ao mesmo tempo, assinar cheques sem fundo ou legislar em causa própria para ordenar aumentos descabidos de seu salário. Afinal, seu decálogo não diz nada explicitamente sobre malversar os bens públicos, e um cheque sem fundo não é bem roubar...

Condenando para se absolver e selecionando princípios de maneira a inocentar seus atos piores, o moralista moderno é o verdadeiro sepulcro caiado que indignava o Cristo.

Qual é a fonte de seu sucesso? Por que ocupa os púlpitos das igrejas e os corredores do poder, de Washington a Brasília?

Num mundo atormentado pela dificuldade da questão moral, o moralista nos apresenta nossa atribulada perplexidade como se não fosse uma conquista de nossa cultura, mas um sinal de fraqueza, de crise, de decadência. Logo, ele promete alívio e nos sugere o caminho da nostalgia: voltem para a antiga moral normativa, julgar será tão fácil... A troco do descanso que lhes ofereço, só deixem um dízimo na saída, ok?

Assim os (autodenominados) campeões da norma moral ganham um respeito que não merecem.
Essas reflexões são inspiradas pela eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmera dos Deputados.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

A menina e o aviador

"Menina de Ouro", de Clint Eastwood, e "O Aviador", de Martin Scorsese (ambos em cartaz neste momento), são os candidatos mais fortes: o Oscar de melhor filme e o de melhor diretor serão provavelmente disputados entre eles.

"Menina de Ouro" conta a história de Maggie Fitzgerald, uma garçonete que vem daquela classe social que, na cultura americana, é chamada "white trash" (lixo branco). Maggie já passou dos 30 anos e, apesar disso, quer boxear.

"O Aviador" conta a história de Howard Hughes, que nasceu num berço de ouro (ou melhor, num berço de maquinário para a extração de petróleo) e quis fazer duas coisas: filmes e aviões. Dos filmes que ele dirigiu, dois marcaram a história do cinema por suas qualidades; eles pareceram, na época, "excessivos", "Hell's Angels" pelos custos enormes e a filmagem que não acabava nunca e "Scarface" pela violência das cenas. Quanto aos aviões, Howard Hughes também concebeu modelos excessivos: o mais rápido e o maior. O primeiro caiu; o segundo voou, mas ficou no estado de protótipo.
"Menina de Ouro" é filmado com uma simplicidade enxuta, que traduz perfeitamente a brutalidade espartana do mundo do boxe.

"O Aviador" é filmado num estilo ornado, que condiz com a excitação maníaca do Hughes cinematografista ou projetista e com as repetições obcecantes nas quais sua mente emperrava.

Com isso, os filmes parecem ter pouco ou nada em comum. Salvo que ambos nos tocam, misteriosamente, no íntimo. Digo misteriosamente, porque, em nossa maioria, somos (presumo) bastante diferentes tanto de Maggie Fitzgerald quanto de Howard Hughes.

Confesso que, entre o aviador e a menina, prefiro a menina. Provavelmente porque nunca pilotei um avião e nunca dirigi um filme; em compensação, o boxe pagou uma parte relevante de meus estudos superiores. Graças a ele, ganhei uma bolsa para defender as cores de minha universidade. Conheço o cheiro de alvejante barato e de suor ranço que não sai do corpo; conheço a volta das lutas com uma cara que nem os amigos identificam; conheço, sobretudo, o enigma da determinação que leva a encontrar, a cada dia, o caminho de uma sala de treino decadente não por um sonho de glória ou de sei lá quais riquezas, mas por uma espécie de dedicação radical, inexplicável e necessária.

Se fizesse parte do júri do Oscar, portanto, votaria no filme de Eastwood, mas o filme de Scorsese me toca da mesma forma. É que a menina e o aviador têm algo em comum: ambos desejam, forte e obstinadamente. E não vale perguntar: eles desejam o quê? Às vezes, o verbo desejar é intransitivo. Em sua paixão dominante, a menina e o aviador apostam tudo: seu tempo, seus esforços infindáveis, suas pobres economias (no caso de Maggie) ou suas riquezas (no caso de Hughes).

Maggie e Hughes não querem fama e sucesso; se isso acontecer, tanto melhor, mas não é o essencial. O aviador, testemunhando diante de uma comissão do Senado americano, explica a dedicação de sua vida afirmando que ele constrói aviões "because this is what I do" (porque isso é o que eu faço). A menina poderia dizer a mesma coisa: luto porque isso é o que eu faço.

Ambos desejam por conta própria, apesar de seus pais ou contra eles. É só depois da morte dos pais que Hughes se encontra livre para investir todos os seus haveres na prática de suas paixões. Quanto a Maggie, ela trilha seu caminho enfrentando o escárnio da mãe (que não por isso deixa de aproveitar-se do sucesso da filha). Em suma, o desejo que os anima é uma invenção deles, é seu achado próprio. Sabe aquela expressão, "sentir-se realizado"? Pois bem, é um sentimento que depende não do sucesso que conseguimos, mas de uma espécie de fidelidade a nós mesmos, uma unidade com nosso fazer. Não sou o que eu tenho, tampouco sou o resultado de minha origem: sou o que faço.

Posso acabar mal, cair em chamas, mas o que importa é que cairei no avião que construí. Ou, como diz o velho Scrap em "Menina de Ouro", o boxeador quer ter seu "shot", sua chance. E não é apenas a chance de ganhar o título, é a chance de viver a fundo por e para aquilo que ele quis.
Quem viu "Edifício Master", de Eduardo Coutinho, lembra-se com comoção da cena em que um aposentado narra sua vida, faz um balanço que não é necessariamente jocoso e, mesmo assim, canta para a câmara, imitando Sinatra, "I did it my way", vivi como eu quis.

"Menina de Ouro" e "O Aviador" são inesquecíveis porque se alimentam no âmago trágico da subjetividade moderna. Eles contam duas versões da mesma grande história: a história do esforço e do custo para sermos "nós mesmos".

O psicanalista francês Jacques Lacan disse um dia que a única culpa que a psicanálise reconhece é a culpa de desistir de nosso desejo, o que, obviamente, não significa que quem se aventura a seguir seu desejo seja feliz. Nada disso. Como mostram Maggie Fitzgerald e Howard Hughes, desejar, além de não ser banal, pode ser um exercício cansativo, arriscado e perigoso. Mas talvez seja o único que nos pareça valer a pena.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Viver por quê?

Pré-estréia nesta semana "Mar Adentro", de Alejandro Amenábar, com Javier Bardem (inesquecível) no papel de Ramón, que deseja morrer.

O filme, inspirado numa história real, vale como um daqueles "dilemas morais" que foram inventados nos anos 70 por um grande psicólogo, Lawrence Kohlberg. Eram histórias em que ficava impossível decidir claramente onde estava o bem e onde o mal; elas eram apresentadas a grupos de estudantes, que eram convidados a discutir. O propósito não era que os jovens chegassem a uma conclusão positiva (eis o certo, eis o errado), mas que articulassem as alternativas em toda sua complicação. Esses exercícios, na experiência de Kohlberg, constituíam a melhor educação moral possível: neles, não se tratava de transmitir princípios, mas de produzir a capacidade de pensar na questão do bem e do mal de uma maneira cada vez mais complexa.

Pois bem, "Mar Adentro" pergunta: quem não está mais a fim de viver tem ou não o direito de morrer? Fato notável: apesar da gravidade do assunto, o filme não é nem um pouco deprimente.

Melhor evitar um equívoco: "Mar Adentro" não é um filme sobre eutanásia. A eutanásia consiste em evitar um fim inutilmente longo, doloroso ou indigno. "As Invasões Bárbaras", de Denys Arcand, por exemplo, era um filme sobre eutanásia, ou seja, sobre a possibilidade de programar a morte como uma festa de despedida, em vez de esperar a hora da agonia. No filme de Amenábar, Julia, a advogada de Ramón, sofre de uma doença degenerativa. Se ela quisesse morrer, ela, sim, recorreria à eutanásia para sair de cena antes de perder sua dignidade subjetiva.

Mas o caso de Ramón é outro: tetraplégico, um acidente já antigo o confina na cama ou numa cadeira de rodas (que, em geral, ele recusa). Ramón não é ameaçado por uma morte iminente ou sofrida. E a invalidez não o condena a uma vida indigna: cuidado por seus familiares com carinho e respeito, Ramón conhece várias razões de viver, desde a vontade e a capacidade de traduzir sua experiência em poesia até a clara consciência de ser um pai substituto para seu sobrinho.

Salvo por sua vontade persistente de morrer, Ramón não é clinicamente deprimido. Um dia, ele considera as cartas que a vida lhe distribuiu e decide que, com essas cartas, ele prefere deixar a mesa. Vamos ou não lhe reconhecer o direito ao suicídio?

Para quem acredita que a vida seja um dom divino, só Deus pode retirá-la. Mas como fica para os que não dispõem dessa fé?

A idéia de que a vida seja um valor é um dos pressupostos mais fortes de nossa cultura. Amar alguém sem querer que ele viva é, para nós, quase impossível. Ramón exige uma prova de amor paradoxal: se vocês me amam, respeitem minha vontade e me ajudem a morrer.

Ora, para quem não acredita na tese do dom divino, não apenas a vida biológica, mas a própria vontade de viver só pode vir dos outros. Talvez seja esse, aliás, o legado mais precioso que os pais pretendem transmitir aos filhos. Como observa o pai de Ramón, se há uma coisa pior que perder um filho, é ter um filho que não está a fim de viver.

Portanto, é muito difícil lidar com a vontade de morrer de alguém que amamos sem entender seu desejo como uma falha nossa, uma prova da insuficiência de nosso amor. Recebemos o suicídio de um ser amado como uma acusação: vocês não souberam me amar o suficiente para que eu estivesse a fim de viver.

Podemos nos consolar afirmando que, por querer pôr fim à sua vida, o suicida é um doente. Não muda nada: sua "doença" nos aparecerá como efeito de nosso fracasso em justificar sua vida.
Melhor reconhecer que a vontade de viver surge em nós com a idéia de que nossa vinda ao mundo deu sentido à existência de quem nos procriou. E segue assim: vivemos pelos outros e para eles. Com isso, inevitavelmente, o suicídio de um condena e ameaça a todos: por que viver, se não bastamos para que nossos amados estejam a fim de seguir vivendo?

Depois da morte de minha mãe, meu pai declarou que não estava mais interessado em viver. Não tomou nenhuma medida concreta; apenas foi definhando, esperando que a coisa acabasse. Amava-o também por essa última obstinada coerência. Ao mesmo tempo, sua decisão testemunhava minha insuficiência, minha incapacidade de lhe dar vontade de continuar.

Naquele inverno, meu irmão e eu passamos com ele todo o tempo de que dispúnhamos, como se nossa presença pudesse motivá-lo a seguir vivendo. Lembro-me que, quando tive que voltar para Nova York, eu circulava pelas ruas resmungando a exortação que Dylan Thomas escreveu para seu próprio pai doente. No sotaque galês do poeta, repetia, como um encantamento que talvez meu pai ouvisse do outro lado do oceano: "Do not go gentle into that good night, Old age should burn and rave at close of day; Rage, rage against the dying of the light" (na bonita tradução de Nelson Ascher: Não te vás dócil boa noite adentro, Cabe à idade se irar e arder no fim do dia; Afronta, afronta a luz que está morrendo).

Não adiantou.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

"Closer - Perto Demais": por que somos infelizes em amor?

Concordo com Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal". Mas "Closer - Perto Demais", de Mike Nichols, me deixou pensando diferente: de perto, somos normais demais.
O filme é uma demonstração tocante de nossas impotências e incompetências sentimentais. Se você quer saber por que, em regra, somos infelizes em amor, não perca.

Para não estragar o prazer de quem não viu o filme, nada de resumo, apenas as reflexões fragmentárias com as quais passei a noite, depois de ter assistido a "Closer - Perto Demais".
1) Por que, no meio de uma história amorosa que funciona, um encontro (que sempre parece mágico) pode levar alguém a trocar a intimidade de um casal companheiro por uma visão?

Os evolucionistas dizem que os homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A teoria tem uma falha: as mulheres são tão infiéis quanto os homens (embora os homens se recusem a acreditar nessa banalidade).

O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade seja um valor é especificamente moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo. Outro problema ainda maior: na condução de nossas vidas, somos obstinadamente repetitivos.

Insistimos nas mesmas fantasias e nos mesmos sintomas. Contrariamente ao que diz o provérbio, errar é divino, perseverar é humano. Por que seria diferente em matéria amorosa? Como pode ser que um encontro, em que mal se sabe quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute num amor que dura?

Tento responder: apaixonar-se é idealizar o outro, durar no amor é lidar com a realidade do amado ou da amada. Antes de ponderar os charmes da idealização, duas observações.

Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o parceiro. Mas, para idealizar o outro, devo mantê-lo a distância. Se mantenho o outro a distância, renuncio aos prazeres de amor, companheirismo, cumplicidade, convivência.

Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a idealizá-lo e a me apaixonar por ele.

2) Por que gostaríamos tanto de idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo. De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.

Cada amor, quando começa, é uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que eu seja.

A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar -não de trocar de parceiro, mas de se reinventar.

Não é estranho que, na hora em que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.
Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.

3) Dizem que um casal que se ama briga muito. O uso erótico das brigas é conhecido: a paz se faz na cama. Menos conhecido é o uso amoroso das brigas: chegar ao limite da ruptura pode ser um jeito de recomeçar, de voltar ao momento inicial da paixão, quando ambos esperavam que o amor os transformasse.

Problema: ninguém sabe qual é o ponto de equilíbrio além do qual as brigas não garantem renovação nenhuma, apenas desgastam um amor que se perde.

4) Alguém se apaixona por outra pessoa porque, ele se queixa, sua parceira precisa dele. É aquela coisa: seu amor me exige demais, você me sufoca, me prende. Isso, é claro, é um jeito de dizer: com você sou sempre o mesmo. Também é uma projeção: separo-me porque não agüento minha própria dependência de você. Visto que me detesto por estar a fim de lhe pedir amor a cada minuto, acho intolerável que você me peça. Quem pensa e age assim, em geral, fica sozinho no fim.

5) Um homem volta para o lar depois de ter estado nos braços de outra. Sua mulher pergunta: você me ama ainda? Ela tem razão, é a única pergunta que importa.

Uma mulher volta para o lar depois de ter estado nos braços de outro. Seu homem pergunta: você esteve com ele? Insiste: quero a verdade. Pede os detalhes: gostou? Gozou? Onde aconteceu, em que posição, quantas vezes?

O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma esgrima homossexual que tem pouco a ver com o amor pela amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.

Enfim, quem sabe o filme nos ajude a inventar jeitos de amar menos desafortunados e mais interessantes.