segunda-feira, 18 de setembro de 2000

"Mate", amigo e irmão

Os australianos nos param na rua para saber se gostamos de Sydney. Perguntam com quais medalhas sonha o Brasil e logo nos desejam boa sorte.

São conversas de homem a homem, frequentes sobretudo na sexta e no sábado, quando um par de cervejas solta as línguas. Nessas investidas cordiais, eles nos chamam sempre de "mate".
"Mate" significa companheiro, amigo do peito: é o apelido dos homens australianos entre si. O termo tem sentido forte quando reivindica a importância de uma relação: "Farei qualquer coisa para ele, ele é meu "mate'". Mas parece também fraco por ser usado para se dirigir a estranhos: ""Mate", sabe onde está a rua tal?".

No Brasil há termos parecidos: "amigo", em São Paulo, e "irmão", no Rio, são usados, mas com menos frequência. Uso forte: "Fulano é um irmão para mim". Uso fraco: "Amigo, traz uma aguinha para a gente". O paralelo revela uma diferença. Os australianos chamam todos de "mate", e essa intimidade pressupõe a idéia de uma sociedade de iguais, onde todos são "mates". No Brasil, o mesmo uso é condescendente: chamamos o guardador de carros de amigo. A recíproca é inesperada e ameaçadora.

Há razões históricas para isso. A Austrália nasceu, pouco mais de 200 anos atrás, do projeto de transformar um continente inteiro em colônia penal. A Inglaterra do fim do século 18 não sabia o que fazer com seus criminosos -melhor dito, com seus pobres.

Os miseráveis da Revolução Industrial não eram bonitos de se ver na rua. Surgiu a idéia de levá-los para a praia australiana. Se morressem, não seria uma grande perda. Se conseguissem sobreviver, seria mais uma colônia para o império. Entende-se por que os australianos se consideram companheiros de naufrágio. Inventaram uma sociedade horizontal onde um dos passatempos consiste, como eles se expressam, em cortar as papoulas que crescem mais do que as outras.

No Brasil, a história é outra: a escravatura introduziu uma desigualdade da qual mal conseguimos sair. O privilégio pode ser detestado, mas é também invejável.

Enfim, para chegar a conviver como pares, precisaríamos levantar o peso do passado e tirá-lo de nossa frente. Deve ser por isso que hoje fui assistir à prova de levantamento de peso feminino (categoria 48 kg), na qual concorria Maria Elizabete Jorge. Nossa atleta se classificou em décimo -era o que ela esperava. Depois do último arremesso, despediu-se do público sorrindo e abanando. Deu entrevista confirmando sua vontade de continuar levantando peso. Ótimo, pois ainda há bastante entulhos no nosso caminho e precisamos de muitas Elizabetes.

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