quinta-feira, 29 de agosto de 2002
Por que não gosto de eleições
Recentemente (15/8), a revista "The Economist" promoveu e publicou uma pesquisa para saber se os latino-americanos, nestes tempos difíceis, continuam acreditando na democracia. Pergunta: "A democracia é preferível a qualquer outra forma de governo?".
O Brasil foi um dos países em que os entrevistados mais mudaram de opinião nos últimos anos. Em 1996, 50% dos brasileiros pensavam que a democracia fosse a melhor forma de governo. Em 2002, só 37% continuam pensando da mesma maneira. Os que abandonaram suas convicções democráticas (13%) querem o quê? Será que são nostálgicos das rédeas curtas da ditadura?
A pesquisa colocava uma segunda pergunta: "Em determinadas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um governo democrático?". Seria lógico pensar assim: os sujeitos que não acreditam mais nas virtudes exclusivas da democracia devem ser tentados por uma intervenção autoritária. É o que acontece, por exemplo, com os paraguaios, que também mudaram de opinião em matéria de democracia. Em 96, 59% acreditavam na democracia; em 2002, apenas 45% continuam pensando assim. No mesmo período, a porcentagem de paraguaios dispostos a aceitar um governo autoritário cresceu substancialmente. Ou seja, quem não acredita mais na democracia sonha com a volta de um regime militar. Faz sentido.
Pois é, os brasileiros deram uma resposta para atrapalhar o sono dos pesquisadores. Entre 1996 e hoje, como já disse, 13% deixaram de acreditar na democracia como melhor sistema de governo. Ora, o número dos que aceitariam uma ditadura no lugar da democracia não aumentou de maneira parecida, mas -surpresa- diminuiu 9%. Ou seja, no Brasil, há menos gente para acreditar na democracia, mas também menos gente para esperar que os militares resolvam a situação.
Aplausos para os brasileiros, que não se deixaram capturar por uma alternativa forçada. Entendo assim a posição dos entrevistados: a democracia não respondeu a nossas esperanças básicas, mas nem por isso entregaríamos o país ao despotismo. Sobretudo, não aceitamos uma alternativa excludente, do tipo: "De um lado, há stalinistas, fascistas ou militares e, do outro, a democracia. Olhe, escolhe e pule". Os brasileiros pareceram responder: não pulo coisa nenhuma, a escolha não é essa.
Minha leitura (otimista) da pesquisa do "Economist" é a seguinte: estamos cansados de ver o mundo em preto-e-branco, com contraste máximo.
É o mesmo cansaço que sinto durante as eleições. Com raríssimas exceções, os processos eleitorais que presenciei (na Itália, na Suíça, na França, no Brasil e nos EUA) sempre foram momentos tristes da vida democrática.
Gosto da democracia em seu exercício cotidiano e concreto. Prezo a discussão numa associação de moradores de vila para decidir se é melhor pedir mais postes de luz ou o asfalto na rua central. Aprecio uma reunião de condomínio em que uma senhora idosa e sozinha defende seu cachorrinho contra a mãe de uma criança asmática e alérgica aos pêlos de animais. Em ambos os casos, sinto carinho pelo esforço de inventar formas possíveis de convivência.
Ultrapassamos o tamanho das comunas medievais e hoje um governo democrático só pode ser representativo: as eleições são inevitáveis. Mas não me digam que elas são a melhor expressão da democracia.
A retórica eleitoral parece implicar inelutavelmente duas formas de desrespeito, paradoxais por serem ambas inimigas da invenção democrática.
Há o desrespeito aos eleitores, que é implícito na simplificação sistemática da realidade. Tanto as promessas quanto a crítica às promessas dos adversários se alimentam numa insultante infantilização dos votantes: "Nós temos razão, o outro está errado; solucionaremos tudo, não há dúvidas nem complexidade; entusiasmem-se".
E há o desrespeito recíproco entre os candidatos. As reuniões de moradores de vila ou de condomínio não poderiam funcionar se os participantes se tratassem como candidatos a um mesmo cargo eleitoral. Paradoxo: o processo eleitoral parece ser o contra-exemplo da humildade necessária para o exercício da democracia que importa e que deveria regrar as relações básicas entre cidadãos: a democracia concreta.
Em 1974, na França, Mitterrand, socialista, concorria à Presidência com Giscard d'Estaing, centrista. Num debate decisivo, Mitterrand falava como se ele fosse o único a enternecer-se ante o destino de pobres e deserdados. Giscard retrucou: "Senhor Mitterrand, você não detém o monopólio do coração". Cansado de simplificações, o eleitorado gostou, e Mitterrand perdeu.
Em 1981, a confrontação repetiu-se. Dessa vez, era Giscard que não parava de apontar em Mitterrand o homem da aventura, do risco: caso ele ganhasse, a Revolução de Outubro estaria às portas de Paris. Cansado de simplificações, o eleitorado não gostou, e Giscard perdeu.
Quem sabe os eleitores do mundo inteiro estejam, há tempos, cansados da retórica eleitoral e a fim de ouvir a verdade sobre como é difícil governar, ou seja, a fim de serem tratados como adultos.
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