Converso com um garoto de 16 anos e com sua mãe, exasperada. O garoto decidiu mudar de estilo. Jogou fora todas as suas roupas folgadas, sem perguntar isso, para prevenir uma eventual hesitação dos pais na hora de financiar a troca de vestuário.
Agora, ele quer calças estreitas e camisetas justas. O problema é que uma cena parecida já aconteceu um ano atrás. Naquela ocasião, a roupa apertada foi para o lixo -substituída por calças e camisetas que pareciam velas mestras.
A mãe: "Por que mudar, assim, de repente?". O garoto: "Agora todo o mundo que é legal se veste assim". A mãe, irritadíssima: "Você não deveria ser você mesmo? Ter um estilo seu, sem preocupar-se com os outros?".
É fácil simpatizar com a mãe, embora não saibamos muito bem o que é "ser você mesmo". De qualquer forma, concordemos: não é bom estar sob o domínio do que pensam os outros. Seja você mesmo, livremente, escute e respeite seus impulsos mais singulares: essa é uma das regras preferidas da modernidade. Uma outra regra diz, ao contrário: preocupe-se bastante com o olhar dos outros, pois, nesse mundo, todos os cargos são eleitorais ou seja, cada um deve seu lugar à aprovação que encontra e suscita. O garoto, mudando de estilo, busca conciliar as duas regras. Ele renova seu aspecto para ser mais "ele mesmo". Mas precisa da aprovação do grupo das calças justas: sem o olhar dos outros, seu novo "ele mesmo" não vale nada.
Após a conversa (que aconteceu em Nova York), fui ao Metropolitan Museum, para ver a exposição "Beleza Extrema: O Corpo Modificado" (apresentada, na Folha de ontem, por Inês Bogéa).
A exposição (com seu catálogo excelente) mostra como o corpo humano é amoldado a cânones de beleza. O pescoço, o ombro, o peito, a cintura, os quadris e os pés desfilam transformados em sua aparência (e, às vezes, em sua anatomia) por inúmeros apetrechos indumentários: espartilhos para a cintura e para o pescoço, saltos, sutiãs etc.
A disposição dos objetos sugere que a vontade e as maneiras de modificar o corpo sejam universais ou quase. Assim, por exemplo, vemos a espécie de rosca de cobre que estica e sustenta o pescoço da mulher Ndebele (África do Sul). Logo ao lado, contemplamos uma rosca de pérolas num modelo Christian Dior de 1997.
É bem possível que os ditos primitivos tenham inspirado e inspirem nossas modas. Mas há uma diferença radical entre o costume da mulher Ndebele e a escolha fashion da mulher Christian Dior. Qual?
Para responder, uma lembrança de minha infância, aos sete anos: minha avó percorria o "Corriere della Sera", conversando sobre roupas e costureiras com minha mãe e com uma tia. De repente, apontando para o jornal, ela anunciou "as cores do próximo inverno" -marrom e preto, se me lembro direito. Eu deduzi em voz alta que, então, naquele inverno, todos se vestiriam só de marrom e de preto. Elas acharam a maior graça e sucumbiram a um acesso de riso que lhes arrancou lágrimas.
Seria fácil demais se a moda fornecesse regras tão rigorosas quanto as instituições de uma tribo -tipo: mulher casada usa rosca. Mas a moda é uma inquietude, não uma norma.
Durante esta semana (a São Paulo Fashion Week), veremos, inevitavelmente, inúmeras fotografias de modelos. Ao contemplá-los, além de um eventual fascínio estético, talvez sintamos um certo incômodo. A origem tanto do fascínio quanto do incômodo pode ser a seguinte: os modelos são lembretes da tarefa penosa do sujeito moderno.
Devemos ser "nós mesmos" (vai saber o que isso significa) e, ao mesmo tempo, tornar nossa singularidade reconhecível e apreciável pelos outros. Será que os modelos encontraram uma solução? Seus olhares parecem nos encorajar (ou desafiar): façam como a gente, inventem e promovam um estilo, seu estilo. Esse é o sonho do garoto que troca muito de roupa. E talvez seja o sonho de todos nós: inventarmos um estilo que expresse quem somos e que encante os outros.
O problema é que, ao encarnar e promover um estilo, os modelos parecem transformar-se em puras poses. De repente, eles não são mais "eles mesmos".
Também no Metropolitan, nestes dias, é possível ver uma surpreendente série de nus femininos fotografados por Irving Penn nos anos 50. Título da exposição: "Earthly Bodies" (corpos terrestres -aberta até 21/4). Penn é um grande nome da fotografia glamourosa para revista de moda. Os nus dessa série ficaram num sótão, porque deixavam os diretores de arte perplexos, se não horrorizados. São corpos de formas imperfeitas e em posições impiedosas.
Logo Penn, que retratou tantas mulheres posudas, guardava, como um segredo amoroso, essas imagens de corpos que parecem deitados em camas desfeitas. Corpos para desejar, amar, tocar -não só para fotografar.
P.S. Enquanto termino a coluna, chega em minhas mãos o livro de Erika Palomino "A Moda" (Publifolha), que sai esta semana. No mundo clubber ou no universo da moda, Erika é a cronista (bem-humorada) da procura moderna por um estilo que diga (e nos diga) quem somos.
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