Numa cidade perto de Lahore, no Paquistão, Ghulam Hussein e Rashida acabam de escolher um nome para seu filho: Osama, como Bin Laden. Explicam: "Não só o nome é curto e doce mas também simboliza a coragem e a ousadia." Muddassir Rizvi, jornalista do Pacific News Service, conta essa história num artigo (publicado por AlterNet.org) em que aprendemos que, no noroeste do Paquistão, outros casais se preparam para fazer a mesma escolha.
Aproveito a ocasião para recomendar a todos os pais a não nomear os filhos segundo seus entusiasmos políticos. Quando passa a embriaguez, a coisa fica pesada: na Itália do pós-guerra, havia pletora de Benitos que tentavam mudar de nome. Mesma coisa para os Adolfs na Alemanha.
A escolha desse tipo de nome é mais frequente entre os deserdados. Nesse caso, eles servem para que a criança tenha uma ascendência socialmente reconhecível. Chamado Osama, meu filho deixará de ser ninguém e filho de ninguéns para tornar-se afilhado de uma figura pretensamente heróica. O mundo não me respeita, mas chamarei um herói à cabeceira do berço de meu rebento.
Por que logo Osama Bin Laden? No mesmo artigo de Muddassir Rizvi, um ex-funcionário do governo paquistanês explica a popularidade de Bin Laden pelo sentimento antiamericano que é vivo nessa parte do mundo. Ele diz: "A América não vê as pessoas que são mortas a cada dia na Palestina, eles não vêem o sofrimento do povo do Iraque, não se importam com o assassinato das pessoas na Argélia pelas mãos das forças do governo. Isso porque eles não se importam com os muçulmanos".
Há, nessas palavras, um tom que aparece regularmente nas críticas aos EUA que circulam pelo mundo islâmico. A acusação não consegue esconder uma espécie de decepção amorosa: "Eles não se importam conosco". A raiva parece proceder de uma lamentação -como se os EUA e o Ocidente tivessem abandonado seus amigos e esquecido alguma promessa. De onde viria esse sentimento?
No processo de descolonização desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo islâmico parece nunca ter conseguido (ou quase) produzir uma democracia.
Isso não constituiria um problema se a exploração colonial não tivesse difundido (inevitavelmente e a contragosto) as duas modalidades principais da esperança ocidental: o sonho liberal e o sonho socialista, exigências de um pouco de igualdade e de justiça. Ora, na descolonização, ambos os sonhos foram frustrados. A esperança liberal não conseguiu impor democracias políticas. E a esperança de democracia social ruiu junto com o bloco socialista.
Quase todos os países islâmicos, uma vez descolonizados, voltaram a formas tradicionais de dominação. Para que isso fosse possível, seria melhor que as esperanças sociais e políticas veiculadas pelo Ocidente fossem esquecidas -seria melhor, digo, para as elites no poder. Aos que não têm nada e precisam viver de sonhos (os deserdados) é proposta, então, a antiga esperança religiosa.
As elites da descolonização nos países islâmicos perseguiram brutalmente qualquer agitação popular ameaçadora. Basta evocar, por exemplo, o massacre de Hama, na Síria, em 1982, em que o regime de Hafez al-Assad bombardeou e destruiu um bairro inteiro, matando, segundo a Anistia Internacional, de 15 mil a 30 mil pessoas. Ou, ainda, Setembro Negro, na Jordânia, em 1970.
Massas de deserdados foram condenadas à insignificância por elites vorazes. Privados da esperança liberal e da esperança socialista, muitos se tornaram fundamentalistas. Assim, na luta contra os ocidentais, encontraram algum remédio à sua humilhação. Pois é sempre mais tolerável ser humilhado por um inimigo externo do que realizar que somos insignificantes para nossa própria comunidade.
É óbvio que o Ocidente foi cúmplice da exclusão dessas massas, às vezes omisso e, outras vezes, tão opressor quanto as elites que foram por ele sustentadas e promovidas. Mas o antiocidentalismo foi e segue sendo sobretudo um instrumento da repressão, pois ele encoraja as massas a recusar alguns valores ditos ocidentais (liberdade, justiça etc.) que seriam perigosos para as elites dominantes.
Graças aos americanos e aos ocidentais, o alvo do ódio fica fora de casa. E as elites nacionais são protegidas. É o caso de se perguntar se os regimes que apóiam os EUA e hospedam, por exemplo, suas tropas não fazem isso de propósito para que essa presença indigne sua população. Pois o ódio do Ocidente leva o povo a desprezar um ideário liberal que poderia inspirar vontades de democracia política.
A guerra que está começando não é entre o Ocidente e o islã. Ela parece ser travada entre o Ocidente e os deserdados do islã, que foram acuados ao fundamentalismo como última esperança possível.
Mas a única saída verdadeira seria a transformação dos países islâmicos em democracias políticas e sociais. Alguns dizem que essa mudança seria incompatível com o islã. Até agora, está apenas provado que ela não agrada às elites de quase todos esses países.
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