Segunda-feira, em Brookline, Massachusetts. Estou sentado num café numa Harvard Street cheia de bandeiras. Na calçada oposta, vejo avançar, fendendo os passantes, uma mulher muçulmana, de véu até os pés -um xador, que deixa o rosto exposto.
Alguns dão mostra de indiferença. Véu? Qual véu? Olham para o chão, escrutam o horizonte ou envolvem-se numa conversa animada com quem estiver a seu lado. Isso com naturalidade excessiva, afetada. Outros tentam captar o olhar da mulher. Não conseguem, mas, mesmo assim, destinam-lhe amplos sorrisos. Todos, em suma, embora de maneira diferente, parecem decididos a mostrar que, nessa cidade progressista, não confundimos islã com terror.
Imagino que, em outros lugares, ela acabará encontrando um gesto hostil. Alguém receberá o passeio dessa mulher, seis dias depois do ataque terrorista contra os EUA, como uma provocação.
Ao atravessar a rua, ela aparece de frente para mim. Descubro que sua mão esquerda está fechada com força ao redor da mão de um filho de oito ou nove anos. O moleque acompanha-a numa mistura de obediência com revolta. Olha para o chão e estica o braço, mantendo-se meio metro atrás da mãe. Quando eles passam na minha frente, o menino arrasta os passos. A mãe puxa seu braço, apostrofando-o numa língua que não entendo. Parece-me reconhecer um nome: Ahmed. O menino, envergonhado, responde sem sotaque: "OK, just don't scream, please" (tá bem, só não grite, por favor). Fico com a impressão de que a mãe não entende inglês.
Dificilmente Ahmed esquecerá esse passeio, em que acompanhou o desfile da mãe como símbolo e depositária das tradições de seu grupo étnico e religioso. Não esquecerá o paradoxo pelo qual uma mulher coberta até os pés chamava e desafiava a atenção nas ruas de um mundo em que, de regra, é tirando o véu que a gente conquista o olhar dos outros.
Se ficar nos EUA alguns anos, Ahmed procurará homogeneizar-se, identificar-se com uma turma qualquer: mesmas músicas, mesmas roupas, mesmos papos, talvez até mesma cerveja proibida (para ele duplamente).
Como Ahmed lidará com as mulheres? Extasiado pelos sites pornográficos na internet e olhando de boca aberta alguma Britney Spears de barriga de fora, ele gostará muito das moças desarrochadas do país em que ele tenta integrar-se. Mas sem nunca esquecer que a sua mãe não é mulher de recorrer a essa sedução escancarada -certamente, não foi assim que ela conquistou o amor e o desejo do pai. Quem sabe Ahmed se lembre justamente do dia em que a mãe fez de seu véu uma bandeira silenciosa. E sinta a contradição passada entre a vergonha infantil por não se confundir na massa e o orgulho de ver sua mãe triunfante, intocável.
Ahmed será seduzido por mulheres ocidentais que lhe parecerão sempre mais fáceis e oferecidas do que elas são. Aliás, ele terá dificuldade para entender que elas possam recusar o desejo que, a seu ver, elas estimulam tanto. Gostará delas justamente por elas parecerem tão acessíveis e tão diferentes da mãe.
Ao mesmo tempo, ele terá desprezo por essas mulheres sedutoras. Será o jeito mais fácil para, embora seduzido, continuar venerando a mãe e a tradição da qual ela se fez porta-estandarte.
Escutando, por exemplo, jovens de origem muçulmana na França, é fácil constatar que, na comparação com a mãe, a mulher ocidental é sempre, em última instância, considerada como a vadia. Leva, no mínimo, três gerações de esposas "de fora" para que o espectro velado da mãe ou da avó deixe de ser o paradigma da honra.
Em suma, fraqueza diante da sedução e desprezo pela sedução: eis uma contradição que promete uma séria dificuldade de integração. Pois a modernidade ocidental é fundada na sedução. Todas as relações (não só amorosas) são regidas pela aspiração e pela necessidade de que os outros gostem de nós. Seduzir é a regra da vida social e o caminho do sucesso para pessoas e para produtos.
Precisará de pouco para que jovens com uma história parecida com a de Ahmed vejam o mundo ocidental inteiro como uma gigantesca tentação carnal, um universo pecaminoso por essência, o "grande Satã".
Os terroristas que atacaram o World Trade Center e o Pentágono viveram tempos longos no Ocidente. Frequentaram universidades e escolas de pilotagem. Não eram pastores descidos das montanhas. Os comentadores estranham: como é possível? Moraram entre nós tanto tempo e puderam fazer isso? Ou seja, será que nossa sedução não funcionou? Justamente: ela funcionou demais. A ponto de eles terem decidido destruir o objeto de seus desejos. A interpretação política de seus atos será sempre insuficiente: as torres gêmeas, para eles, eram símbolos não tanto de poder quanto de tentação.
Sua "guerra santa" foi isto: mataram os infiéis nos quais receavam se transformar. E mataram a si mesmos para nunca mais serem seduzidos.
Agora, se o deus que eles foram encontrar entende alguma coisa de inconsciente, eles, uma vez em sua presença, devem estar encarando uma séria decepção.
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