quinta-feira, 7 de julho de 2005

Roberto Jefferson e a "Guerra dos Mundos"

Na coluna da semana passada, disse que os discursos politicamente incorretos são aqueles que tratam seus ouvintes como menores ou como idiotas.

Aparentemente, esses discursos são também uma estratégia política fadada ao fracasso.
Roberto Jefferson está com a palavra, constantemente, desde sua primeira entrevista a Renata Lo Prete (Folha, 6 de junho). Claro, podemos nos perguntar se há provas de tudo o que ele avança e podemos detestar seu passado "collorido". Mas não paramos de escutá-lo. Por quê? Acontece que ele é o único que parece nos tratar como gente grande.

Os que são objeto de suas acusações travam uma luta diária, feita de desculpas, evocações de passados gloriosos e declarações de justas intenções. Eles não têm nenhuma chance de ganhar a batalha. Roberto Jefferson fala mais alto porque ele não faz apelo ao nosso entusiasmo, à nossa fidelidade a grandes convicções ou à nossa suposta grandeza moral. Sua atitude não é a de quem propõe um ideal ou se propõe como ideal (sempre improvável) para as crianças. Ele não pretende estar acima da gente, pois sua autoridade vem de suas manchas. Tampouco ele nos interpela como se fôssemos muito melhores do que realmente somos. Ele nos fala, por assim dizer, de adulto para adulto.

Triunfo do cinismo? Não exatamente. As razões do sucesso de Roberto Jefferson são as mesmas que fazem o charme do filme "Guerra dos Mundos", em suas duas versões, a de Byron Haskin (1953) e a de Spielberg, que está em cartaz.

Vi a primeira aos sete anos, em 55, pois, no cinema que freqüentava, os filmes chegavam tarde. Ficaram, na minha memória, os periscópios dos extraterrestres (que me valeram, na época, algumas noites insones) e uma sensação final de otimismo, tanto mais estranha que, no começo dos anos 50, minha cidade (Milão) se parecia com as ruínas produzidas pela invasão dos marcianos. Nestes dias, revi o filme de 53 e experimentei a mesma sensação sem saber bem por quê.

Logo, assistindo ao filme de Spielberg, que me produziu um efeito parecido, entendi a razão de meu otimismo. No filme de 53, os humanos, bem prosaicos, acham uma boa idéia instalar um quiosque de hambúrgueres ou sorvetes ao lado do objeto misterioso que acaba de cair do céu. No filme de Spielberg, o protagonista é um pai adolescente atrasado, irresponsável e egoísta. Em ambos os casos, os humanos, perseguidos e acuados, revelam-se capazes do pior: saques e vale-tudo para salvar a pele. Em ambos os casos, nossas armas não chegam a amassar a carroçaria dos extraterrestres, que nos exterminam tranqüila e metodicamente. E não aparece nenhum super-herói, nenhum presidente piloto de caça, à la "Independence Day".

Não quero estragar o prazer de quem planeja ver o filme, mas, em resumo, a conclusão é esta: os humanos não são salvos pela sua força nem pela sua inteligência nem pela duvidosa nobreza de seu caráter. O que salva o planeta e a gente é nossa sujeira.

Ambos os filmes poderiam terminar com um aviso aos invasores, canibais, vampiros e outros: cuidado, os humanos são fracos, mas eles são indigestos. Na hora de morder, desconfie de gambás e porcos-espinhos.

Comentando comigo o filme de Spielberg, um adolescente brincou: por que os extraterrestres estão sempre pelados? Se são mais avançados que a gente, como é que ainda não inventaram calças e saias? Respondi-lhe o seguinte: é por isso mesmo que eles são mais "avançados" que a gente. Se nossa ciência é capenga e não consegue produzir viagens interestelares, escudos magnéticos e raios letais, talvez seja porque nosso pensamento é parasitado por desejos reprimidos, sentimentos de culpa, inibições, preocupações com a opinião dos outros, brigas de casais e outras ninharias que nos levam, por exemplo, a cobrir algumas partes do corpo. Nossa civilização é uma vasta neurose, sem a qual, sem dúvida, seríamos muito mais racionais e eficientes.

Num tom mais sério, meu jovem interlocutor notou também que os extraterrestres da "Guerra dos Mundos" nos exterminam sem nenhum problema de consciência. Se os papéis fossem invertidos, muitos de nós se inibiriam na hora de massacrar, pois reconheceriam no corpo esverdeado dos estrangeiros não uma rã, mas um semelhante. Afinal, se as baleias e os golfinhos são dos nossos, por que não os marcianos? Com isso, meu interlocutor começou a pensar que a neurose que atrapalha nossa razão e produz nosso "subdesenvolvimento" talvez tenha lá seus aspectos positivos.

Alguns estranharam que Spielberg retomasse uma história que parece afastada de seu humanismo habitual. Nada disso: o enredo de "Guerra dos Mundos" dá prova de um humanismo exacerbado, embora propriamente pós-moderno; não celebra a excelência, o gênio e os músculos idealizados de nossa espécie, mas sugere que nossa força está em nossas misérias reais: bicho ruim não morre fácil.

Da mesma forma, Roberto Jefferson (ai do extraterrestre que tentasse comê-lo) é um personagem pós-moderno. Como acontece com os humanos da "Guerra dos Mundos", sua força é sua imperfeição.

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