No centro de São Paulo, na rua Jaceguai, bem no começo do Minhocão, surge o teatro Oficina, projetado por Lina Bo Bardi para abrigar a companhia de José Celso Martinez. O teatro, que é um paralelepípedo retângulo estreito, insinua-se hoje num quarteirão quase inteiramente demolido, com a exceção do Oficina (que é tombado) e de dois prédios elevados de habitações.
A demolição faz parte de um amplo projeto imobiliário do grupo Silvio Santos, que planeja a reabilitação do bairro do Bexiga.
Durante décadas, o teatro Oficina se opôs ao projeto, pedindo que, ao lado do Oficina, fosse construído um grande teatro de estádio, e não um shopping.
Pois bem, como a Folha noticiou no sábado passado, a antiga diatribe entre o grupo Silvio Santos e o teatro Oficina chegou a uma conclusão feliz. É uma festa constatar que houve um diálogo entre um teatro insubstituível na história e no presente da cultura brasileira e um projeto de investimento crucial para o futuro do bairro do Bexiga e de São Paulo.
Devemos estar (ou ser), apesar de tudo, menos divididos do que imaginamos, se é possível que, pela audácia e generosidade de Silvio Santos, um enorme empreendimento financeiro banque a aposta de construir o shopping center que é destinado a revitalizar a área inteira ao redor de um teatro de mil lugares.
Os arquitetos Marcelo Ferraz, Francisco Fanucci e Marcelo Suzuki desenharam um projeto admirável.
O shopping contemporâneo mais freqüente adota o modelo da "ilha da fantasia": é uma espécie de terra do nunca fechada para a rua, um templo para celebrar o consumo e suas esperanças narcisistas.
Mas existe um outro tipo de shopping, que pode privilegiar as trocas sociais que o comércio proporciona. Em geral, são espaços integrados na circulação entre as calçadas que os delimitam e abertos para a rua (um exemplo paulistano é o Conjunto Nacional).
Os arquitetos optaram por um shopping não só aberto à circulação entre as ruas mas também organizado ao redor de um centro que é ao ar livre (podendo ser coberto por um teto retrátil em caso de grande frio) e, sobretudo, que não é um umbigo periodicamente ocupado pela árvore de Natal. A circulação entre as lojas, em cada andar do shopping, ocorrerá graças a grandes sacadas irregulares (os paulistanos se lembrarão da Galeria do Rock), que olham justamente para o teatro de estádio.
O teatro está, como previsto, ao lado do Oficina, com o qual pode se comunicar. Mas ele não é integrado ao shopping, como acontece, por exemplo, com as salas de cinema na maioria dos centros comerciais de hoje. Ele está no centro do edifício, porém não se confunde com ele. É um cubo, de 40 metros de lado, que caiu do céu ou surgiu da terra num acidente sísmico. O cubo, aliás, é de um material diferente do usado no resto do projeto: é de concreto literalmente vivo, ou seja, povoado de bromélias e plantas crescendo no próprio material. À diferença do shopping, o cubo é quase fechado, espécie de monólito de "2001: Uma Odisséia no Espaço".
Essa irrupção, terrestre ou celeste, parece ter demolido o coração do shopping e, portanto, impõe sua massa como centro enigmático da circulação comercial.
Entre o cubo e as sacadas do shopping, surge uma parede de plantas vivas, como se a expansão urbana tivesse comprimido a mata originária até transformá-la numa lâmina vertical.
O projeto é um monumento grandioso, perfeitamente adequado ao lugar que o acolherá: celebra a vida urbana, a convivência inelutável e cerrada entre a cultura e o consumo e entre o concreto e o verde.
Só resta esperar que vivamos o suficiente para vê-lo realizado e para estar na inauguração do teatro de estádio, com uma peça dirigida por Zé Celso e com Silvio Santos na primeira fileira.
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