quinta-feira, 8 de maio de 2003

Sexo na terceira idade

Anos atrás, fui consultado pelos filhos de um senhor de 84 anos, viúvo e parcialmente inválido. Estavam preocupados com a saúde mental do pai. Não que o octogenário fosse confuso ou delirante. Nada disso. Mas, segundo os filhos (dois homens e uma mulher, todos acima dos 40), seu comportamento era grotesco: não condizia com a idade.

Logo após a morte da esposa, o homem ficara prostrado. Revelara-se necessária uma enfermeira que lhe fizesse companhia durante o dia. Entre o octogenário e a enfermeira (de 30 anos) criara-se uma cumplicidade. Os filhos não sabiam se os dois tinham relações sexuais, mas ocorria o seguinte: a pedido do octogenário, a enfermeira aspergia-se copiosamente do perfume que a esposa usara durante anos e desfilava as roupas da morta (vestidos, lingerie, sapatos). Regularmente, os filhos encontravam o pai na cama, agarrado em alguma peça do vestuário desfilado, extasiado.

Claro, eles receavam que a enfermeira, além de ser modelo de passarela, fosse também trapaceira. Mas, dinheiro à parte, ficavam sobretudo enojados com a conduta do pai. O velho tornara-se obsceno, indecente: será que um psicanalista poderia falar com ele e acalmá-lo um pouco?

Eu achava o octogenário inventivo. Por que privá-lo de uma encenação em que ele encontrava prazer e conseguia manter vivo o apetite sexual sem trair a lembrança da mulher morta?
Preferi questionar os filhos. E descobri três razões básicas (e contraditórias) pelas quais o sexo dos idosos pode ser um escândalo.

1) Ser adultos, para nós, significa separarmo-nos do lar dos pais, estabelecer nossa independência. Mas a coisa não é simples: a prática da herança nos cai bem, e precisamos da proteção dos mais velhos durante um bom tempo, já que, ao nascer, não sabemos nem caminhar. Os pais, em suma, nunca poderão se tornar outros quaisquer. Para além da gratidão e do carinho devidos e merecidos, eles serão sempre, para nós, muito mais rivais do que os outros. Pois, no caso deles, a rivalidade é exacerbada pela lembrança da submissão passada: você me teve nas mãos, mas agora é minha vez, sai da frente e pára de gozar.

2) Conhecemos a idéia freudiana do complexo de Édipo. Sumariamente: em algum momento da infância, o menino tem uma paixão pela mãe e considera o pai um concorrente amoroso; a menina prefere o pai e rivaliza com a mãe. Nessa situação, às vezes, as crianças ciumentas rejeitam a idéia de que os pais tenham uma vida sexual juntos. E é possível que o mesmo ciúme continue durante nossa vida adulta.

Mas há mais: imaginar que os pais não tenham vida sexual não é apenas uma maneira de querê-los só para nós. Acontece também que, com o tempo, constatamos que os prazeres lúbricos acarretam atribulações. Rejeitar ou impedir a vida sexual dos "velhos" torna-se uma maneira de protegê-los dos transtornos inevitáveis do sexo. O velho pai ou a velha mãe são chamados por nós a ocupar um lugar mítico de sábios, entre a múmia de Lênin e o oráculo de Delfos. E o sábio ideal não deve ser atormentado por paixões, sob pena de nos parecer frustrado e imperfeito como a gente. Idealizamos os velhos como idealizamos as crianças: a ambos recusamos a sexualidade para que satisfaçam nossos estereótipos de sabedoria quase zen (para os velhos) e de inocência feliz (para as crianças).

3) Somos narcisistas: ser desejáveis nos parece tão importante quanto transar concretamente. Passear os abdominais sarados pela praia é menos arriscado que se debater na cama com um outro. Afinal, sabemos botoxar, lipoaspirar e proteinizar os corpos, mas não as relações. Benefício nada secundário: cuidando de nossa imagem desejável, podemos esquecer nossos desejos e nossas fantasias sexuais, que são, às vezes, incômodos e inquietantes.

Ora, a sexualidade da terceira idade demonstra que corpos diferentes do molde estabelecido são atravessados por desejos e prazeres: a paixão e o sexo funcionam mesmo quando as mãos se perdem em dobras inoportunas de carne e pele. Surge, portanto, uma dúvida: será que o interesse dominante pela beleza (e pela conformidade) dos corpos é um jeito de reprimir desejos e fantasias sexuais? A sexualidade dos idosos nos indigna porque sugere que nosso incurável narcisismo é um amparo contra a própria sexualidade.

Essas reflexões são evocadas por um livro corajoso que chega às livrarias americanas nesta semana: "A Round-Heeled Woman: My Late-Life Adventures in Sex and Romance" (uma mulher fácil: minhas aventuras tardias, sexuais e amorosas). A autora é Jane Juska, uma educadora, hoje com 70 anos, divorciada há décadas, que, em 1999, colocou o seguinte anúncio na "New York Review of Books": "Antes de cumprir 67 anos -em março que vem- quero fazer bastante sexo com um homem de quem eu goste. Se quiser conversar primeiro, Trollope é meu escritor preferido". Recebeu dezenas de respostas e agora narra suas intensas aventuras com uma série de homens entre 32 e 82 anos de idade.

O filho, que tem 38 anos, aprova, mas declara que não lerá o livro.

Um comentário:

  1. Gostei desse artigo, importante informar com qualidade as pessoas na terceira idade, grupo cada vez mais numeroso.
    Abraços !

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