quinta-feira, 2 de agosto de 2001

Pelas ruas de Gênova, lá vamos nós



Durante os protestos contra o G-8 (grupo que reúne os sete países mais industrializados do mundo mais a Rússia), a imprensa européia entrevistou políticos da esquerda oficial e veteranos de 68. Vários aproveitaram a oportunidade para lamentar, nesses novos manifestantes, a falta de "verdadeiros" projetos de sociedade. "São carentes de propostas políticas, crescerão", disse Mario Capanna, que foi líder do movimento estudantil de Milão em 68. Engraçado: sob a direção de Capanna, o movimento, na época, foi declaradamente stalinista. Se essa for a "proposta política" que falta, melhor que os "carentes" não cresçam mesmo.

Prefiro evitar as nostalgias e reconhecer que aos manifestantes de Gênova não falta nada. Ao contrário, graças à sua diversidade confusa ou mesmo atrapalhada, talvez eles representem, da melhor maneira possível, o estado de espírito de muitos que estão, hoje, social e politicamente insatisfeitos.

De fato, parece-me que poderia manifestar-me com cada um dos componentes dessa massa contestatária. Os grupos diversos e, às vezes, opostos levaram pelas ruas de Gênova diferentes fragmentos de meus humores reformistas ou revoltados.

Olhe só. O resto de minhas esperanças socialistas desfila com a esquerda clássica italiana, em versão social-democrata ou intransigente. Identifico-me com os ecologistas puros e duros (do Greenpeace aos italianos da Legambiente), mais preocupados com o planeta do que com as mazelas dos homens. Posso ter um coração caritativo, animado por paixões missionárias contra a fome e as doenças no mundo (do tipo Christian Aid). E sobra-me uma raiva que deve valer a do movimento anarquista Black Bloc, pedras na mão.

Um leitor poderia observar: "Admito que o ardor político seja, hoje, plural e mesmo confuso. Posso admitir também que essa pluralidade esteja em todos nós. Mas por que se reconhecer num radicalismo destrutivo que parece gratuito?". De fato, quase todos os grupos tentaram se dissociar dos "violentos". Aliás, por esse motivo, falou-se pouco de Carlo Giuliani, o jovem que morreu nos enfrentamentos com a polícia. Não sabemos quase nada de suas idéias ou de sua militância. Até a esquerda prefere esquecer o morto: sem a carteirinha de um partido ou de um movimento e (na foto reproduzida pelo mundo afora) prestes a lançar um extintor no policial que o mataria, Carlo Giuliani parece ser o protótipo da "Internacional da desordem", segundo a expressão do governo italiano. Ou seja, baderneiros enfurecidos sem saber por quê, agitadores abstratos.

De fato, posso não gostar da raiva de Carlo Giuliani e do Black Bloc. Mas ela tem, no mínimo, duas razões de ser.

A primeira é compreensível por qualquer um que já quebrou louça numa cena de família. Os cônjuges jogam pratos e xícaras na parede para resistir à tentação de fazer as pazes. Viram a mesa para que não haja mais um lugar para eles se sentarem juntos. Protegem-se assim contra sua própria vontade de parar a briga e voltar aos prazeres do lar. As pedras que os jovens do Black Bloc jogam contra as lojas obedecem à mesma lógica: são uma barragem defensiva contra a irresistível atração de um mundo do qual, por outro lado, eles não gostam. O quebra-quebra é isto: destruir vitrinas para não desejar a mercadoria exposta, ou melhor, por raiva de ser levado a desejá-la. Queimar carros pelo mesmo motivo.

No semanal italiano "L'Espresso" de 26 de julho, a reportagem de capa sobre Gênova era claramente favorável ao protesto. Mas a mesma edição propunha uma outra matéria, para sonhar e invejar, sobre a costa Smeralda, na Sardenha, refúgio estival dos socialites italianos e internacionais, com foto da vila de Berlusconi, o miliardário magnata de televisão que é hoje premiê italiano.

Pergunta implícita ao leitor: "Você quer que não haja mais Berlusconis ou sonha com uma vila na Sardenha?". Em resposta, o leitor que quisesse um mundo diferente poderia jogar pedras, não tanto para atingir Berlusconi (ou Chirac ou Bush), mas para demolir (em sua própria cabeça) simulacros de vilas numa Sardenha de sonho.

Vamos à segunda razão da raiva do Black Bloc.

Há duas maneiras banais de (tentar) controlar os outros. Uma consiste em afirmar que nós sabemos o que os outros verdadeiramente querem, acima e além de suas declarações ou de seus silêncios. Por exemplo: "Você defende as baleias e a distribuição de arroz na Somália, isso é legal, mas lacunar, portanto vamos completar para você e dizer qual é a sociedade que você realmente deseja". É, no mínimo, irritante.

Mas é a outra tentativa de controle que instiga mais violência. Ela consiste em perguntar: "Afinal, o que você quer exatamente?". Subentendido: "Diga com clareza seu desejo, para que a gente possa controlar direito sua satisfação ou frustração".

Faça a experiência com um adolescente, se quiser exasperá-lo. Com um pouco de sorte, ele acrescentará (com razão) que, para querer, não é necessário saber de antemão o que quer. Basta não gostar da situação e estar decidido a inventar algo diferente.

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