Durante muito tempo, pensava que fôssemos todos vítimas de um ideal inalcançável: a visão de um casal gloriosamente feliz no amor e no sexo. Os casais concretos fracassariam por almejarem tamanha perfeição. Cada dificuldade deixaria os parceiros inconsoláveis ao descobrirem a distância entre seu dia-a-dia e o ideal. Logo eles procurariam outras chances.
Imaginava, portanto, que a vida dos casais se tornaria mais praticável se fosse possível baixar a bola de nossas aspirações. A dificuldade, em suma, parecia ser o próprio ideal romântico de felicidade amorosa e sexual.
Precisava criticar esse ideal, desmontá-lo -Jurandir Freire Costa fez isso admiravelmente em "Sem Fraude nem Favor" (Rocco, 221 págs., R$ 22,50)- e ajudar os casais a conviver com suas imperfeições. Sugestão: "Renunciem a ser o príncipe e a Cinderela, destinados a viverem felizes para sempre, e encarem as trapalhadas que vierem".
À primeira vista, esse projeto deveria funcionar. É o que pensava, sem dúvida, a maioria das pessoas que se reuniram, no fim de semana passado, em Orlando, Flórida, para a convenção anual Smart Marriages, Happy Families (Casamentos Inteligentes, Famílias Felizes), uma grande reunião de terapeutas, padres, pastores, pesquisadores e outros preocupados em defender o casamento periclitante -tudo num clima "tradição, família e propriedade".
Parece que o destaque foram os cursos de preparação para o casamento, dos quais são esperadas maravilhas. Nos EUA, em certas igrejas, um curso em mediação de conflitos já é requisito obrigatório para os noivos. E alguns Estados subvencionarão programas educativos para futuros cônjuges, com o propósito de diminuir o número de divórcios.
Afinal, se o problema for amenizar os efeitos de um ideal impiedosamente exigente, é bem possível que uma mistura de crítica cultural e terapia preventiva funcione, ou seja, consiga tornar mais razoáveis as exigências que impomos a nós mesmos e a nossos parceiros amorosos.
Infelizmente, acredito que esse esforço pedagógico venha a ter efeitos mínimos. Pois me pareceu que, contrariamente ao que achava no passado, o convívio amoroso e sexual não é nosso ideal cultural dominante. O casal moderno não sofre de um excesso de idealização da felicidade casamenteira. Ao contrário, ele luta (batalha bem mais ímpar) contra uma falta de idealização: o casal não tem onde encontrar inspiração, pois seus percalços não fazem sonhar ninguém.
Como cheguei a essa nova conclusão?
Pense no repertório moderno das condutas apetitosas e dos heróis que gostaríamos de ser: o cinema. Aparentemente Hollywood não pára de idealizar a paixão amorosa, de "Casablanca" a "Titanic", não é?
Ora, em "Casablanca", você se identifica com quem? Com Bogart, que renuncia a viver seu grande amor e -macho para caramba- entra na resistência clandestina? Ou com Ingrid Bergman, que viverá um casamento chocho, sempre saudosa dos momentos mágicos passados com Bogey em Paris e Casablanca? Seja como for, são idealizadas a renúncia e a saudade, não a felicidade de um casal.
Em "Titanic", você prefere ser DiCaprio salvando sua bela ao preço da vida? Ou Kate Winslet, guardiã da lembrança de um amor que nunca teve o tempo de vingar? Seja como for, são idealizados o sacrifício e o luto, não o convívio de um casal apaixonado.
Repita esse tipo de análise com qualquer filme. Por exemplo, na linha "Love Story"-"Moulin Rouge" (que estréia no Brasil em 24 de agosto), a paixão vem com a garantia de uma morte anunciada. O ideal não é o convívio amoroso, mas o charme da viuvez inconsolável ou então a idéia de sobreviver como lembrança indelével na memória de quem fica.
Às vezes a história acaba bem, com o casal encaminhando-se para amanhãs radiosos. Como em Cinderela, viverão felizes para sempre. Mas você reparou que isso acontece sempre fora da tela? Quando um casal consegue se juntar, a história acaba.
Em suma, o que é idealizado nunca é o convívio, mas a perda, a saudade, o luto ou, no máximo, a procura. Para saber como continua a história depois de um final feliz, precisa mudar de canal, passar do filme ao seriado de televisão, do estilo épico e dramático ao burlesco.
O príncipe encontrou a princesa: acabou o tempo dos heróis com os quais gostávamos de nos identificar, aquela coisa de matar dragões, sofrer privações e feridas pensando na bela (ausente, por favor) e vice-versa. O que segue é vaudeville, o tempo dos palhaços.
O ideal não é o convívio com o outro amado, mas sua falta (atual, antecipada ou saudosa). A figura de nossos devaneios não é um casal, mas o sujeito solitário dignificado pela perda, pelo anseio ou pela renúncia -e, por isso, sedutor.
Não estranha que não sonhemos com a presença do outro. Afinal, a insatisfação e a falta estão sempre inscritas em nossos corações, e o contentamento com o que temos é destinado a parecer ridículo. Essas são as condições subjetivas mínimas para o bom funcionamento (econômico e social) do mundo moderno.
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