"Desigualdade e Felicidade: os Europeus e os Americanos São Diferentes?" é uma recente pesquisa do National Bureau of Economic Research, realizada por A. Alesina, R. di Tella e R. MacCulloch. O texto está acessível em www. nber.org.
A pesquisa mostra que os cidadãos dos EUA e os europeus sentem e pensam de maneira diferente em matéria de desigualdade social. Na Europa, a desigualdade é um fator de insatisfação, por isso ela é combatida por várias políticas de redistribuição de renda. Nos EUA, a indigência é considerada um mal social, mas a desigualdade não -as políticas assistenciais são, portanto, mais limitadas.
Na Europa, quanto mais um sujeito é pobre, tanto mais ele está insatisfeito com a desigualdade social. Parece óbvio: os desfavorecidos devem se sentir melhor numa sociedade mais homogênea, não é? Surpresa: nos EUA, o bom humor dos pobres é insensível à desigualdade. Os únicos americanos que parecem ficar tristes com as diferenças sociais são os ricos de esquerda.
Como explicar essa diferença? Os autores sugerem uma causa: a mobilidade social. Os Estados Unidos apresentam uma mobilidade social maior do que a da Europa. Por isso os pobres americanos vêem na desigualdade a promessa de seus privilégios futuros. Moderar a desigualdade seria limitar seus sonhos.
Ao contrário, na Europa, onde há menos mobilidade social, a desigualdade é percebida pelos pobres como uma situação dificilmente alterável, um destino infeliz.
A pesquisa tem relevância política. A esquerda americana protesta porque o país prospera, mas a desigualdade aumenta descaradamente. Segundo a pesquisa, isso não tem importância nenhuma. Robert Samuelson, colunista da "Newsweek", ao comentar a pesquisa, afirmou que, como qualquer americano, ele não se sentiria melhor se Bill Gates ficasse pobre.
E nós com isso? No Brasil, a desigualdade social é maior do que nos EUA (da Europa nem se fala). E ela é constantemente invocada como uma razão da infelicidade nacional. Não paramos de medir quantos salários mínimos e quantas cestas básicas cabem no custo de qualquer luxo de classe alta. A falta de segurança de nossas cidades nos parece ser um efeito "merecido" da desproporção entre ricos e pobres. A distância entre os mais e os menos favorecidos é "a" praga nacional.
Em suma, sofremos de uma desigualdade pior do que a americana e estamos insatisfeitos com esse descompasso, como os europeus. Somos americanos na desigualdade e europeus na insatisfação com a desigualdade. Parece fácil entender por quê: a desigualdade só é tolerável quando existe uma grande mobilidade social, como nos EUA. Numa sociedade com menos trânsito entre as classes, como a da Europa, a desigualdade, por menor que seja, é fonte de insatisfação. Ora, a representação que temos do Brasil é esta: uma desigualdade à americana com a escassa mobilidade dos europeus -portanto uma desigualdade intolerável.
Mas há um problema: essa representação do Brasil não corresponde plenamente à realidade. No ano passado, José Pastore e Nelson do Valle Silva publicaram "Mobilidade Social no Brasil". Mostraram que, de fato, desde os anos 40, a mobilidade social no Brasil é considerável. Por exemplo, hoje "apenas 20% dos integrantes da classe alta são filhos da própria classe alta". Num quadro comparativo, o Brasil é um dos países com mais mobilidade -acima dos EUA.
Pastore e Valle Silva atenuam esses dados observando que, no Brasil moderno, muitos crescem, mas crescem pouco. Mesmo assim, é curioso que a sociedade brasileira nos pareça imóvel. Os EUA encarnam para todos o mito da "terra das oportunidades". O Brasil, com uma mobilidade maior ou, no mínimo, equivalente, vê-se, ao contrário, como o paraíso das elites. Só encontro uma explicação para a permanência desse estereótipo: nossa percepção da mobilidade social depende da experiência cotidiana, ou seja, de como são vividas concretamente as diferenças sociais. Explico com exemplos.
Nos EUA, a mobilidade é confirmada a cada instante pelo estilo do comportamento social. Um americano pode ter infinitamente menos do que ricos e poderosos, mas ele acredita que subir seja sempre possível, pois é tratado pelos mais favorecidos como alguém que amanhã poderia entrar na turma de cima. "Cozinho seus ovos e sirvo seu café. Mas seu respeito indica que você não exclui a possibilidade de qualquer dia estarmos juntos do mesmo lado do balcão."
No Brasil, a mobilidade, embora exista de fato, é frequentemente desmentida pela prática dos estilos mais arcaicos de poder. "A sociedade pode me oferecer recursos e chances de subir na vida, mas como acreditarei nessa possibilidade, se, por eu ter menos do que você, serei tratado com a familiaridade condescendente que se destina normalmente aos servos?"
No Brasil, a mobilidade social, por mais que seja efetiva, não faz parte da experiência social cotidiana. Por isso ela não aparece no cartão-postal do país. Por isso também as desigualdades permanecem intoleráveis.
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