Estréia amanhã "Amores Possíveis", de Sandra Werneck.
No começo do filme, Carlos e Júlia têm compromisso na porta de um cinema. Em cartaz não estão paixões cinematográficas inimitáveis, mas os próprios "amores possíveis". Com esse exemplo, deveria ser mais fácil se encontrarem, mas Júlia não chega. Passam 15 anos e descobrimos versões diferentes de Carlos e Júlia. Carlos número um organizou sua vida com Maria no conforto de um casamento tranquilo. Carlos número dois casou-se com Júlia, mas encontrou Pedro, apaixonou-se por ele e agora não sabe bem o que quer. Carlos número três ficou trancado na adolescência, borboleteando, sem convicção, de aventura em aventura, protegido pelas saias maternas. Por essas tramas alternadas, filhas do desencontro inicial, desfila a complexidade de nosso cotidiano amoroso.
Assisti ao filme há mais de uma semana. Mas suas imagens não me deixam. Voltam constantemente, evocadas pelas queixas e pelos sonhos de amor que ressoam no consultório de todo psicanalista ou psicoterapeuta. A lembrança do filme induz em mim uma benéfica humildade terapêutica, sugerida por Carlos números três, quando ele declara que, para achar a pessoa certa, já falou de sua infância, meditou e lançou berros. Esgotado o arsenal terapêutico, agora ele quer uma moderna agência de par perfeito. Pois é, talvez ele tenha razão.
Na clínica, atrás de nossas dificuldades sentimentais, descobre-se um pouco de tudo.
Há destinos que aparentemente excluem qualquer felicidade amorosa. São vidas vigiadas pelo desejo de uma avó que esperava que ao menos uma neta fosse freira. Ou pelas palavras de um pai maldizendo o dia em que decidiu casar. Ou simplesmente pelo desejo de uma mãe que não quer ficar sozinha. Não é impossível jogar com esse tipo de cartas marcadas. Leva tempo, mas chega-se a reviver e a reescrever um pouco o passado -quanto basta para que se tornem praticáveis futuros até então proibidos.
Outros impasses são efeitos de nossos sintomas neuróticos. Por exemplo, um sujeito hesita, imóvel, entre desejos diferentes: amo ou não amo? E, se amo, qual das duas ou dos dois? É uma maneira (dispendiosa) de não perder nada. Ou de nunca apegar-se para evitar as dores de uma separação. Outro sujeito, como um dos Carlos, o número um, prefere guardar a paixão no gueto dos sonhos, onde está sob controle. São cálculos que podem parecer avaros, covardes ou absurdos e, sobretudo, dolorosos.
A lista das armadilhas no caminho do amor não pára aqui. Há um caleidoscópio de imagens distorcidas capazes de atrapalhar o projeto de compor um par. Alguém olha no espelho e se acha impossível de ser amado ou bonito demais para ser tocado. Outro desqualifica todos os candidatos, pois não se equiparam a algum ícone venerado. Há, enfim, o efeito desalentador dos ideais sociais. São visões de amores grotescamente felizes (portanto impossíveis) que perseguimos como uma obrigação. Ou então, paradoxalmente, devaneios de perfeita independência celibatária.
Mas imaginemos que todos esses obstáculos nos concedam uma trégua. Às vezes isso acontece e, mesmo assim, a agenda continua vazia. O telefone não toca. O que falta? Será que o sujeito que se queixa está se enganando e nos enganando? Será que pensa estar disposto a um encontro que de fato ele (ou ela) ainda recusa, sei lá, inconscientemente? É nessa altura que aceito a sugestão de Carlos número três, mencionada antes.
Você conhece a história do homem que choramingava que nunca ganhara na loteria. Deus, cansado de ouvir suas lamúrias, perguntou: "Mas, meu filho, você está comprando o bendito bilhete?". O homem entendeu a lição e decidiu que dar a si uma chance de ganhar era mais interessante do que ter uma razão permanente para lamentar-se. Conseguiu enxergar-se como um possível ganhador, e não como um eterno derrotado. Desde então, ele faz corajosamente suas apostas. Em suma, foi curado pela palavra divina. Mas, para que haja cura, falta alguma coisa: ganhar.
A história vale também para a vida amorosa. Você pode mudar, reparar seu sintoma, corrigir o peso de sua história familiar e dos ideais culturais, retocar as imagens que povoam seu espelho, dispor-se a negociar compromissos com aspirações irrealizáveis etc. Mas os amores -mesmo razoáveis, "possíveis"- precisam também de acasos bem-aventurados. Ou seja, banalmente, de sorte.
Sem dúvida, eu teria exortado Júlia a, naquela fatídica noite de 15 anos atrás, ajudar a sorte e ir ao cinema. A chuva não é uma razão para aceitar as preguiças do desejo. Mas concordemos que teria sido em vão se Carlos, por sua vez, decidisse ficar em casa.
De qualquer forma, se ambos comparecessem e juntos assistissem a "Amores Possíveis", garanto que seria bom para seu eventual futuro amoroso. Ou seja, recomendo o filme aos que procuram um amor, aos que não sabem bem o que desejam e aos que acham que seria bom recolocar paixão em sua rotina. Em suma, a todos
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