Você prefere sua filha errando de balada em balada ou velejando sozinha ao redor da Terra? |
ABBY SUNDERLAND nasceu na Califórnia, em outubro 1993. A família vivia num barco, ao longo da costa do Pacífico.
O irmão mais velho de Abby, Zac, aos 17 anos, tornou-se o mais jovem velejador a circum-navegar a Terra sozinho. O recorde de Zac não resistiu muito tempo: logo, Michael Perham, um adolescente inglês um ano mais jovem que Zac, completou sua volta solitária ao mundo. Note-se que Perham, aos 14 anos, já tinha atravessado o Atlântico sozinho.
Abby também, desde seus 13 anos, sonhava em circum-navegar a Terra. No começo deste ano, aos 16, sozinha, ela largou as amarras de seu veleiro de 12 metros e desceu o Pacífico Sul. Passou o Cabo Horn, atravessou o Atlântico e passou o Cabo de Boa Esperança, lançando-se no Oceano Índico. Entre a África e a Austrália, Abby encontrou uma tempestade à qual o mastro de seu barco não resistiu. No sábado passado, depois de dois dias à deriva num mar infernal, ela foi resgatada.
Pela internet afora e na imprensa dos EUA, os pais de Abby estão sendo criticados por um coro indignado: como vocês puderam deixar uma menina de 16 anos errar sozinha pelo mar e pelos portos? Fora tsunamis e tempestades, o que dizer dos meses insones espreitando o mar e o vento a cada meia hora, da solidão, do trabalho incessante, do frio, do desconforto de uma navegação solitária ao redor do mundo? E os piratas ao sul da Malásia? Por qual permissividade maluca vocês aceitaram que Abby se lançasse numa aventura que seria arriscada para gente grande?
Já a bordo do barco que a resgatou, Abby escreveu no seu blog: "Há uma quantidade de coisas que as pessoas podem estar a fim de culpar pela minha situação: minha idade, a época do ano e muito mais. A verdade é que passei por uma tempestade, e você não navega pelo Oceano Índico sem entrar em, no mínimo, uma tempestade. Não foi a época do ano, foi apenas uma tempestade do Oceano Sul. As tempestades fazem parte do pacote quando você veleja ao redor do mundo. No que concerne à idade, desde quando a mocidade do velejador cria ondas gigantescas?".
Se você duvida que Abby tivesse a maturidade necessária para sua empreitada, leia o diário da viagem (www.soloround.blogspot.com) -sobretudo as notas de Abby durante a interminável navegação no Atlântico Sul.
Os que censuram os pais de Abby afirmam que nunca autorizariam seus rebentos a velejar sozinhos ao redor do mundo porque, aos tais rebentos, falta seriedade e falta experiência. Eles devem ter razão -afinal, eles conhecem seus filhos. Mas cabe perguntar: essa falta de seriedade e experiência é efeito de quê? Da simples juventude? Duvido: La Pérouse, o navegador francês, aos 17 anos, em 1758, já estava combatendo os ingleses ao largo de Terra Nova. Então, efeito de quê?
Pois é, provavelmente, os mesmos pais que se indignam com a "irresponsabilidade" dos genitores de Abby permitem a seus filhos, mais jovens que Abby, de sair em baladas nas quais os únicos adultos são os que vendem drogas e bebidas.
Será que a volta para casa de madrugada, num carro dirigido por amigos exaustos, exaltados ou sonolentos, é menos perigosa do que a circum-navegação do mundo num veleiro pilotado por Abby, animada há anos por um desejo intenso e focado? E, de qualquer forma, qual das duas experiências você prefere para seus filhos?
O fato é que muitos pais preferem que os filhos errem como baratas tontas, de festinha em festinha. Por quê? Simples: assim, os filhos ficam infinitamente mais dependentes.
E os pais modernos, em regra, querem os filhos por perto; eles adoram que os filhos demonstrem que eles não são suficientemente maduros para sair pelo mundo e para correr os riscos que o desejo acarreta.
Não deveríamos nos perguntar qual é a loucura dos pais que empurraram Zac, Abby e Michael mar adentro, mas qual é a loucura dos pais que preferem largar seus filhos nas noites, em que vodca, cerveja, maconha, ecstasy e papo furado servem para convencer os próprios adolescentes de que ainda não começaram a viver e, portanto, vão precisar dos adultos por muito tempo.
Comentando a aventura de Abby, um pai me disse: "Nunca deixaria minha filha navegar sozinha, eu não quero perdê-la". Pois é, "não quero perdê-la" em que sentido?
Desta vez saiu junto com a Folha de São Paulo! Que ótimo.
ResponderExcluirÉ mais ou menos o seguinte, se seu filho é ótimo aluno em matemática e péssimo em português, porque colocar ele em aulas de reforço em português? Ele não vai melhorar grandes coisas... coloque o mlk num curso de matemática! Potencialize aquilo que ele gosta e tem facilidade!
ResponderExcluirSe sua filha é uma grande velejadora, deixe-a ser! Só assim ele poderá ser uma velejadora melhor ainda!
Assim se controem os melhores do mundo em qualquer coisa!
Filho se tornou um investimento (material e emocional) muito grande para ser colocado em risco. Por isso os pais se acovardam, não querendo ver a criança, o jovem ou mesmo o adulto exposto a qualquer tipo de risco. Basta observar o cotidiano das escolas atuais: a criança caiu ou bateu a cabeça numa inocente brincadeira e lá estão os pais num pronto socorro, exigindo tomografias, ressonâncias etc. Como resultado, criam pessoas imaturas, que passam a vida exigindo da sociedade aquilo que os pais lhes proporcionavam...
ResponderExcluirÉ aquele velho ditado: filho a gente cria pro mundo e não para nós mesmos.
ResponderExcluirÓtimo texto, deveria ser leitura obrigatória para estes pais que acham que "ter filho" é só gerar e enfiar debaixo das asas.
concrodo plenamente com o seu texto, mesmo ainda não sendo mãe, mas quando for, acho que vou preferir q meus filhos velejem mar adentro, do q ve-los se acabarem em baladinhas que nada trarão de bom (ou poderão leva-los pelo caminho das drogas, q é bem pior do q ter um filho morto); há muitos pais q perdem seus filhos pro mundo pelo simples medo de não querer perde-los. Como minha avó dizia, os filhos os criamos para o mundo, não para nós, portanto, achei muito legal os pais da Abby confiarem no potencial dela e deixarem ela realizar um sonho, e o apoiarem por isso, tendo em mente q o pior poderia acontecer, pq pais, avós, tios, irmãos, ou seja lá o parente q for, ou somente amigo, sabem q há essa possibilidade, mas mesmo com a dor no peito, eles deixaram ela alçar seu próprio vôo, deixando ela amadurecer a sua maneira, tornando-a uma melhor velejadora (já que este é o sonho dela) e acredito eu, q uma pessoa melhor também.
ResponderExcluirmuito bom o texto, meus parabéns! :)
Minha mãe deveria ler isso!
ResponderExcluirE pode-se perder uma filha ao destruir seus sonhos, impedir que ela tente os realizar.
Belo texto!
Sempre criticar é mais fácil do que resolver. Hoje em dia a atividade preferida dos pais é dizer: "Meu filho não é igual ao seu."
ResponderExcluirJulgam que a educação que deram sempre é a melhor. É o narciso e as projeções que tomam conta totalmente dessa "geração" de pais. Gostam de ter os filhos embaixo das asas, e quando erram, a culpa foi daquele amigo que não recebeu educação dos pais. Mas quando acertam, foi graças à educação que dei à eles.
E é mais fácil também deixar seu filho errando de balada em balada, pois se algo acontecer, a culpa é da sociedade atual, que se entregou às drogas!
Já no caso de Abby, não existe as questões naturais ou do ambiente, os pais dela não cumpriram a suas funções de pais (que seriam quais?).
Uau, que garota corajosa...Sabiam que já existiam mulheres bucaneiras, mesmo no seculo XVII, XVIII? Algumas começaram um pouco mais velhas do que esta garota.
ResponderExcluirE quantas fazem isso HOJE? Você não?
ResponderExcluirA crônica de Calligaris sobre os adolescentes que queremos toca um tema universal para os pais e os filhos, também apresentado no livro de Daniel Dufoe, Robinson Crusoé. O pai de Crusoé achava que ele jamais seria um bom marinheiro, desistiria no primeiro naufrágio. Seu filho o salvou de um naufrágio, arrastando-o a nado para um lugar seguro.
ResponderExcluirHermann Melville x Arthur Rimbaud?
ResponderExcluirMinha filha mais velha não chegou nem mesmo aos 5 anos e já me causa arrepios imaginá-la solta e livre da minha ( nossa, contando com minha esposa ) influência.
ResponderExcluirÉ realmente errado superproteger e querer sempre os filhos em nossa órbita, mas na prática eu não consigo garantir se darei às minhas filhas a liberdade que meus pais me davam ( aos 7 anos eu já ia sozinho tomar ônibus para ir ao treino de futebol ).
Com certeza quero minhas filhas maduras, inteligentes e auto-suficientes, acontece que no pacote desta evolução está a inevitável perda da influência paterna, o que será algo muito triste.
Alguns comentaristas estão colocando no mesmo saco os pais que criticam o que os pais de Abby permitiram com os que deixam os filhos irem para baladas... Não, a grande maioria dos pais não deixaria os filhos fazerem o que Abby fez pelo simples fato de seus filhos não serem velejadores ( e eles não fazem idéia do que évelejar, do que já viveu a família da garota), mas isto não os torna necessariamente coniventes com as saídas noturnas de seus filhos. É muito mais fácil dizer não ao que é distan.te e muito fora do comum do que àquilo que todos cotidianamente têm que lidar
A águia é a ave que tem capacidade de voar mais alto, mas como todo filhote, os filhotes da águia também precisam aprender a voar...
ResponderExcluirQuando os filhotes já estão fortes e crescidos, a mamãe-águia lança seus filhotes fora do ninho que ficam em altos penhascos...
Mas eles ainda não sabem voar e tendem apenas a cair. Então, ela voa em volta deles durante toda a queda, e quando vê que eles não tem mais forças, não se debatem mais, lhes resgata!
Ela age dssa forma durante dias seguidos...até que... com o passar de poucos dias, o filhote percebe que a mãe não o deixará se machucar. Então ele começa a ter a segurança da presença da mãe... E começa a aprender a voar... Até que alça seu primeiro e majestoso vôo.
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O homem podia aprender com a águia.
Baita texto. Aborda a liberdade da guria, que foi atrás de um objetivo, e a superproteção de pais por aí afora.
ResponderExcluirÉ fácil rotular a menina como adolescente louca e os seus pais como irresponsáveis. Sem questionamentos. Sem reflexão. Muito prático.
Esse texto faz o contrário e põe as criaturas pra pensar. Eis o ouro!
Não ignoremos a hipocrisia entre aqueles que residem sob o mesmo teto que, na tentativa de proteger, acabam sufocando e utilizando os filhos como escape para seus problemas internos.
Enfim, apóio muito essa guria.
Cheers, fellow.
Incrível!
ResponderExcluirRealmente é algo em que as pessoas deveriam pensar mais...
Tornamos nossos filhos cada vez mais inseguros e independentes, usando como argumento que queremos o melhor para eles.
É maravilhoso assistir um ser humano realizar seu potencial e viver plenamente, ao invés de simplesmente existir cumprindo o script social q se espera dele.
ResponderExcluirFico só imaginando a base emocional q essa garota teve e o grau de confiança, desprendimento e, pq não, de amor, q esses pais tiveram.
De resto concordo c o Calligaris de cabo a rabo!
É como se a função materna de superproteção estivesse mais forte... Até os pais (no sentido de progenitores masculinos) estão perdendo um pouco de sua função paterna de incentivar o filho a desbravar o mundo...!
ResponderExcluirO real Contardo Calligaris avisa:
ResponderExcluirComeço hoje meu twitter: ccalligaris, com o "s" final que falta no meu e-mail, ou seja, www.twitter.com/ccalligaris.
Belo texto, abriu meus olhos!!
ResponderExcluirestes pais indignados cantam a canção da insegurança e da dependência.
Henrique
weber.henrique@gmail.com
Concordo plenamente. Vejo muitos pais que dao carros e dinheiro nas maos dos filhos para irem pela vida fazendo loucuras e nao dao educaçao, nem ensinam o respeito ao próximo e nem a si mesmos.
ResponderExcluirNilza - Almería - Espanha