Você pode mudar de faculdade e de carreira, e essas mudanças não são a prova de fracasso algum |
A ESCOLA pública italiana impunha uma aula semanal de religião (católica, claro). Na terceira série, aprendi que, para me tornar sacerdote, seria imprescindível que eu tivesse "a vocação" (com o artigo definido).
Em princípio, essa condição facilitava as coisas: afinal, ou eu era chamado por Deus ou não era. No entanto, Deus não chama a gente por carta registrada.
Era possível, eu pensava, que ele se manifestasse por sinais misteriosos, que eu não entenderia, ou pior, que eu evitaria entender -talvez porque preferisse perseguir ambições mais mundanas ou porque meus pais não gostassem da ideia de ter um filho padre.
Seja como for, se eu recebesse, mas não escutasse a chamada, não estaria apenas fazendo pouco caso da vontade divina: eu estaria fugindo de meu destino, seria culpado de desperdiçar minha vida.
Na quarta e quinta séries, foi a vez de o Estado se preocupar com nossas vocações. Naquela época, era necessário escolher muito cedo entre o clássico, o científico e os cursos técnicos que levavam diretamente para o trabalho, sem dar acesso para as faculdades.
Tratava-se, portanto, de saber se tínhamos jeito para as humanas ou para as exatas e, em cada caso, qual era o tamanho do nosso jeito. Uma casa caiu, sepultando seus moradores; seu primeiro pensamento é "se Deus existe, por que ele permite tamanho sofrimento?"; pois bem, as humanas são sua vocação.
Restava verificar, com outros testes, se você tinha pano suficiente para ser professor de filosofia ou se era melhor que você se contentasse em ser repetidor no primário.
De fato, a orientação profissional precoce eternizava a divisão social (nunca vi um aluno de classe média-alta ser encaminhado para cursos técnicos). Mas a intenção era nobre: descobrir qual era a semente escondida em cada um de nós.
Detectando o embrião de nossas aptidões e disposições, poderíamos agir de maneira que a vida realizasse plenamente o nosso potencial.
A partir dos anos 60, em grande parte graças à influência da psicologia de Alfred Adler, ficou claro que, na hora de escolher uma carreira, os talentos e as predisposições são tão importantes quanto os sonhos, os devaneios, as paixões e as imagens idealizadas de tal ou tal outra profissão que encontramos, por exemplo, nas ficções que nos marcam.
O medo de não escutar a chamada divina foi substituído pelo medo de não entender direito nosso próprio desejo -pois seríamos competentes, "realizados" e felizes só se nossa profissão for uma extensão de nossas paixões íntimas. Nesse caso, o trabalho seria leve e divertido, como um hobby.
Em suma, a semente que estaria em nós e que deveria vingar se tornou mais complexa. Mas a ideia de que existe uma semente que é preciso descobrir continuou valendo e preocupando pais e filhos.
Uma leitora, Cecília, me escreve sobre as inquietudes da filha, Luana, 16, na hora de escolher uma carreira que esteja "em consonância com a personalidade, o temperamento, o querer" de Luana e também "com o mercado do trabalho".
Uma sugestão para Luana. Entendo que a escolha de um vestibular, de uma faculdade e, em última instância, de uma profissão, pareça um ato definitivo, mas não é nada disso.
Você pode mudar de faculdade e de carreira; pode cursar um ano de direito, escolher passar para ciências sociais, decidir que o que você realmente quer é biologia e, quem sabe, cursar medicina aos 35 anos. Menos óbvio e mais importante é entender que essas mudanças não seriam a prova de fracasso algum.
Se você mudar de faculdade ou carreira, não será porque você se enganou na tentativa de descobrir qual era a semente que você carregava consigo.
Aliás, esqueça a ideia da semente. Ser jovem não é ser semente; é ser, antes de mais nada, uma narrativa aberta. Imagine que você é o começo de uma história: havia uma moça de 16 anos que gostava dos Beatles e dos Rolling Stones e, um belo dia, ela saiu para fazer sua inscrição no vestibular... Continue. E lembre-se de que uma boa história tem reviravoltas e surpresas.
Em poucas palavras, em vez de tentar descobrir a famosa semente, invente sua vida.
Eu já mudei tanto de carreira que mudei minha concepção sobre esse assunto. Como disse um amigo meu - médico e hoje voltado pras Ciências Sociais - antigamente as pessoas viviam menos, então era mais fácil seguir apenas uma carreira. Hoje temos acesso a tantas coisas e a vida nos leva a caminhos inusitados, então é muito natural no meio da vida a pessoa decidir mudar de rumo. Não porque ela tinha errado na carreira, muito pelo contrário - porque aquela carreira já lhe deu o que ela queria. E agora, alimentada com aquelas lições, ela parte para outros desafios. E é assim que eu me sinto, com cada um dos loucos caminhos (psicologia, escultura, sociologia, ballet) que eu segui.
ResponderExcluirQue bom tirar esse peso colocado nos jovens (também) ao escolher um curso para começar. Sem certeza de meio e fim, como tudo na vida!
ResponderExcluirSofri demais com este dilema. Comecei vários cursos em diferentes áreas, parei e carreguei o peso do fracasso.Hoje, aos 48 anos, tenho uma profissão de que gosto muito há 20. Mas ainda penso em seguir adiante e, quem sabe, trilhar um caminho diferente. Feliz.
Olá, sou a Júlia A. Pereira, tenho 15 anos de SP.
ResponderExcluirContardo, li sua materia na folha, e nunca tinha lido nenhum texto seu.
Só tenho a te elogiar!
Já li vários textos sobre escolhas de profissões etc... já que estou bem nessa fase da vida.
Mas o modo que fala de como escolher é realmente empolgante, saber que podemos embarcar em nossos sonhos, devaneios, imagens idealizadas e que pode dar certo...
Que delícia... pena que não li esse texto antes. Não que eu esteja em uma carreira que não queira, ou algo assim.
ResponderExcluirQueria ter mostrado isso pros meus pais. Para que eles me entendessem quando eu não quis terminar o curso de design. Porque quando eu decidi voltar e me formar só pra poder fazer mestrado e doutorado em semiótica, aí eles foram beeem compreensivos.
Hoje sou uma aprendiz de fotógrafa feliz, com um diploma de bacharel que diz que eu sou designer [mas eu sei que não sou!].
Hoje em dia criar uma vocação para algo/profissão por toda uma vida...requer um esforço sobre humano nos jovens...é melhor experimentar na escola da vida a sua verdadeira vocação...
ResponderExcluirDois últimos parágrafos...sensacionais!
ResponderExcluirGostei muito desse texto. Não tenho mais 17 anos, mas 38, estudei Direito para fazer concurso público; sou servidora pública, mas considero isso meu trabalho, não minha vocação. Ainda sou apaixonada pela Psicologia, mas acho estranho que ainda não tenha dado um jeito de concluir o curso, mesmo sendo em faculdade particular; acabei indo cursar Filosofia em uma universidade pública, mas me questiono até hoje sobre o que realmente quero.
ResponderExcluirSuas palavras são oxigênio para meu cerebro.
ResponderExcluirA FELICIDADE E A LIBERDADE DE IR E VIR ,SEM NINGUEM TE ENCHER O SACO,CADA UM E RESPONSAVEL PELOS SEUS ATOS,SE CAIR,LEVANTA,SE SORRIR,PARABENS,ESTA FELIZ,NINGUEM OPINA O QUE DEVE OU NAO FAZER A NINGUEM,EU SOU LEONINA,CONDIZ A MEU SIGNO,NAO FACO NADA A NAO SER O QUE EU QUERO,E ASSIM SOU FELIZ.PONTO!!PARA MIM E A FELICIDADE MAIOR QUE QUALQUER RIQUEZA DO MUNDO EXISTENTE,NAO HA $$$$ QUE PAGUE A PROPRIA LIBERDADE,E UNICA E EXCLUSIVA!!!NINGUEM TIRA ......NEM MESMO NOSSO QUERIDO FILHO,EM NOME DO ESPIRITO SANTO,JESUS,AMEM......
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