Estréia amanhã, no Brasil, "Edifício Master", documentário de Eduardo Coutinho, o autor de "Santo Forte" e "Babilônia 2000".
O Master é um prédio de Copacabana, a uma quadra da praia. São 276 conjugados (23 por andar), em que vivem mais ou menos 500 pessoas (donos ou inquilinos). O aluguel de um apartamento é por volta de R$ 350, com despesas de condomínio de R$ 135.
Coutinho e sua equipe ficaram no prédio por um mês, filmando entrevistas. Na montagem final, aparecem os depoimentos de 37 moradores.
Antes de assistir ao filme, ao anoitecer, contemple o tabuleiro das janelas acesas na fachada de um grande prédio. A luz trêmula dos televisores parece sugerir uma banalidade comum. Alguém dirá: são vidas massificadas (sempre subentendendo: à diferença da minha, não é?). Mas as sombras que se movimentam atrás das cortinas falam de existências concretas: quem são nossos vizinhos?
Fique mais um pouco na frente do prédio e considere o paradoxo da modernidade urbana: uma extrema proximidade física, vidas que se tecem a poucos metros umas das outras, atrás de uma parede ou de um piso, mas que mal se cruzam. De maneira inédita na história e na variedade das culturas, nós acreditamos que todos são nossos irmãos ou semelhantes. Mas não conseguimos bem explicar por quê e no quê. Os prédios em que moramos são aldeias paradoxais: compartilhamos cheiros, barulhos, gritos, sem por isso saber o que define a nossa tribo; ou seja, sem saber o que temos em comum ou mesmo sem admitir que tenhamos algo em comum. Até porque, em geral, preferimos curtir a ilusão de nossa unicidade absoluta.
Qual é o comum denominador de humanidade que reconhecemos em nossos vizinhos e semelhantes? Como essa humanidade comum se concilia com a presunção de nossa unicidade? O filme de Coutinho responde. Graças a ele, descobrimos que nossos vizinhos não são exóticos; ao contrário, são banais, mas, apesar disso, suas vidas são tão únicas quanto as nossas.
Em suma, somos todos membros da mesma tribo moderna justamente por isso: porque somos todos únicos. No edifício Master, nos sentiríamos em casa, não apesar da diversidade das escolhas e dos destinos, mas por causa dessa diversidade.
Vera viveu no Master a vida toda, mas teve uma existência cigana, porque passou por 28 apartamentos diferentes: sem deixar o edifício, viu suicídios, assassinatos, mortes, cafetinas e prostitutas. Esther, que foi costureira "da alta sociedade", começou um dia a tirar retratos e ficou encantada consigo mesma. Renata fugiu da mãe que a forçou a abortar e, agora, ela tem um namorado nos EUA. Nadir tem oito netos, toca e canta. Carlos e Maria Regina se amam, mas ele tem mania de olhar para outras mulheres, e ela quis se jogar pela janela. Três jovens querem ser músicos. Oswaldo e Geicy são felizes: encontraram-se pelos classificados, começaram a morar juntos três dias depois e são um casal há 13 anos. Daniela, que viveu em Nova Orleans, EUA, luta contra seu medo de encarar a vida escrevendo poesias em inglês e pintando: ela mostra um quadro intitulado "A Floresta de meu Desespero". Roberto, camelô e aposentado, ainda chora a morte de seus pais. Alessandra sustenta a si mesma e a sua filha fazendo programas: é tão bonita e corajosa que, depois do filme, aposto que receberá propostas de casamento pelo correio. Jasson compôs e canta samba. Fernando José foi ator em mais de 30 novelas e 62 filmes. Cristina foi exilada no Master, junto com o filhinho, pelo pai de classe média alta, revoltado pela gravidez precoce da filha. Maria Pia, espanhola e doméstica, já visitou duas vezes a Europa. Suze foi dançarina e cantora no Japão. Paulo Mata jogou futebol no México, na França, nos EUA e na Venezuela, foi treinador na Arábia Saudita e no Sudão e agora compõe e canta. Eugênia é poeta. E por aí vai.
O Master é um edifício de pequena classe média. Seus moradores são, socialmente, de pequena classe média, mas eles não têm nada de médio e nada de pequeno: são todos heróis. Pela arte de Coutinho, suas vidas, milagrosamente, revelam uma grandiosidade épica.
Henrique emigrou para os EUA com 17 anos. Vive de sua aposentadoria americana, sozinho e modestamente. O que ele conseguiu já deu para os filhos, que residem todos nos EUA.
Recentemente, caiu e teve um derrame. Recuperado, canta para nós "My Way" de Sinatra, com entusiasmo e braço erguido. Ao escutá-lo e vê-lo cantar naquele pequeno conjugado de Copacabana, longe de qualquer estereótipo do sucesso, poderíamos perguntar: mas qual é seu triunfo, qual o seu orgulho? A letra da música de Sinatra responde: Henrique canta e se comove porque viveu "do jeito que quis". Orgulha-se e celebra a grandeza de ter vivido e de viver. Só isso, mas não conheço postura mais digna.
P.S. Uma sugestão: se você gostar do filme de Coutinho, ou seja, se você achar graça e grandeza nos heróis do apartamento ao lado e do andar de cima, leia ou volte a ler o livro de Georges Perec, "A Vida - Modo de Usar".
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