domingo, 21 de abril de 2013

Jovens delinquentes


As crianças são más por natureza; às vezes, elas melhoram crescendo, pois a cultura pode civilizá-las 

 Na noite de terça-feira passada (dia 9), em São Paulo, Victor Hugo Deppman, estudante de 19 anos, foi assassinado. As câmeras mostram que ele entregou seu celular, e o assaltante o matou sem razão, com um tiro na cabeça. O criminoso se entregou à polícia declarando que faltavam dois dias para ele completar 18 anos. Com isso, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), aos 20 anos e 11 meses no máximo, ele voltará a circular. A gente não pode nem deixar anotado o nome do assassino, para mantê-lo afastado de nossas vidas futuras: por ele ser menor, seu anonimato é preservado.

 É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho. Obviamente, nos últimos dias, multiplicaram-se os pedidos de revisão do próprio ECA. Marcos Augusto Gonçalves (na Folha de segunda) observou que, na boca dos políticos, esses pedidos escondem décadas de descaso em matéria de segurança pública. Concordo. Mas, como não sou político, não vou deixar de discutir, mais uma vez, o estatuto do menor.

 Por exemplo, sou a favor de baixar a maioridade penal, drasticamente, como acontece no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Índia, nos Estados Unidos etc. --sendo que, na maioria desses lugares, o juiz tem a autonomia para decidir por qual crime um menor de 12 ou dez anos será, eventualmente, julgado como adulto. Hélio Schwartsman (na página 2 da Folha de sexta passada) aconselhou prudência: seria melhor não "legislar sob forte impacto emocional" e, sobretudo agora, confiar apenas nas "considerações racionais". Ele quase me convenceu, mas...

 1) Penso isso há muito tempo.

 2) Se deixássemos de agir sob impacto emocional, nunca nada mudaria. Por exemplo, o conselho de esperar para que as emoções esfriem é o argumento dos fabricantes de armas a cada vez que, nos EUA, um exterminador invade uma escola e o Congresso propõe leis de controle das armas. Os fabricantes de armas querem que esperemos para quê? Pois é, para que a gente se esqueça e se desmobilize.

 3) Conheço só uma consideração racional a favor da maioridade penal aos 18 anos, e ela não é boa: o córtex pré-frontal (zona do cérebro que controla os impulsos) não está totalmente desenvolvido na infância e na adolescência. Tudo bem, se aceitarmos essa consideração, deveríamos aumentar seriamente a maioridade penal, pois o córtex pré-frontal se desenvolve até os 25 anos ou além. Além disso, deveríamos julgar como menores todos os adultos impulsivos, que nunca desenvolveram um córtex pré-frontal "satisfatório".

 4) As outras "considerações racionais" (que deveriam prevalecer sobre o impacto das emoções) são apenas disfarces de emoções especificamente modernas que, à força de serem compartilhadas, se tornaram chavões ideológicos. Três deles são corolários de nossa "infantolatria", ou seja, da paixão narcisista que nos faz venerar crianças e jovens porque, graças a eles, esperamos continuar presentes no mundo depois de nossa morte.

 Primeiro, queremos que as crianças nos apareçam como querubins felizes como nós nunca fomos e nunca seremos. Por isso, preferimos imaginar que os jovens sejam naturalmente bons. Quando eles forem maus, atribuímos a culpa à sociedade e a nós mesmos. Portanto, não podemos puni-los, mas devemos, isso sim, nos punir. Tendo a pensar o contrário: as crianças podem ser simpáticas, mas são más (briguentas, possessivas, invejosas, mentirosas, ingratas etc.); às vezes, elas melhoram crescendo, ou seja, a cultura pode civilizá-las (ou piorá-las, claro).

 Segundo, adoramos acreditar que sempre podemos mudar (para melhor, claro): apostamos que a liberdade do indivíduo permita qualquer reviravolta --até a salvação eterna pelo arrependimento na hora da morte. A possibilidade de os criminosos (ainda mais jovens) se redimirem confirma nossa crença querida.

 Terceiro, acreditamos também na fábula da reciprocidade amorosa: quem ama será amado. Se forem bem tratados e se sentirem amados e respeitados, os jovens se emendarão. É só confiar neles, deixá-los impunes e lhes oferecer castiçais de prata, como o padre que presenteia Jean Valjean. Meus amigos, "Les Misérables" é lindo e comovedor, mas é um romance, ok? Na outra noite, no bairro do Belém, teria sido melhor que aparecesse Javert.

13 comentários:

  1. Fernanda Glaessel Ramalho(feglaessel@hotmail.com)

    Ainda não tenho uma opinião totalmente formada em relação à redução da maioridade penal mas, tenho procurado ler artigos que defendam lados opostos para poder entender melhor os argumentos de quem é a favor e de quem é contra. Assim, gostaria de compartilhar um outro artigo que li esta manhã antes de ler o texto de Contardo:

    http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/04/pela-nao-reducao-da-maioridade-penal.html

    Pra quem ainda está como eu, acho que pode ajudar...

    Fernanda

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  2. Marina (marina_86@bol.com.br)

    Gosto muito do trabalho do Calligaris, mas nesta questão ele mostra um profundo preconceito e falta de informação, como grande parte da nossa população reacionária, classista e não-reflexiva.

    Sou psicóloga em centro de atendimento a adolescentes em Medida Socioeducativa, e posso AFIRMAR que a imensa maioria desses meninos não são criminosos. São adolescentes, como todos nós já fomos também. Adolescentes perturbados por questões próprias de sua idade, ou por conflitos familiares muito pesados (e que não encontram espaço para acolhimento , escuta e reflexão conjunta acerca desses conflitos), pressionados por nossa cultura atual de consumismo imperativo, adolescentes que não conseguem vaga na escola ou projetos de lazer, arte, etc que os contemple. Não estou dizendo que a causa das infrações seja uma ou outra dessas questões, mas em muitos casos é a junção disso tudo. Vcs já vieram dar uma volta na periferia? O estado de carência da população é imenso. e carência por serviços de qualidade, não adianta dizer de quantas escolas e hospitais foram construídos em tal período, estou falando de serviços de qualidade, com profissionais e i nfra estrutura decente, que os atenda com respeito e dignidade. Vamos mesmo continuar querendo punir, prender, investir em repressão e violência, ao invés de olhar pro que poderia prevenir e fechando os olhos pra responsabilidade social de grande parte desses crimes, gerados por exclusão e desigualdade?

    A maioria dos meninos que atendo é por conta de furto ou tráfico, nunca tivemos caso de assassinato por aqui. Considerando que nossa política sobre drogas é extremamente atrasada e moralista, o que acontecerá com essa redução será que adolescentes , AOS MONTES, lotarão centros de detenção aos 16 anos, porque estavam portando cocaína. (sabendo inclusive que muitos usuários adultos são presos, por serem considerados traficantes).

    Já perdi a conta de quantos me chegam falando que roubaram uma loja porque queriam a camiseta de marca que seus amigos estão usando, ou o tênis de mil reais. Isso é o EFEITO de nossos valores, do que é propagado pela mídia e exaltado publicamente, eles agem de acordo com esses valores e queremos prendê-los por isso? Ao mesmo tempo, os pais vem sempre dizendo que sempre educaram bem , sempre deram tudo o que os filhos pediram. Se esforçaram trabalhando por meses, ganhando uma miséria, mas economizaram e compraram finalmente a camiseta de marca que o filho tanto pediu, pra ele nao voltar a roubar. Como se educar fosse dar tudo o que a criança quer/pede. Acho que a causa da infração de adolescentes é muito mais ampla, envolve nossos valores propagados, envolve a criação de nossos filhos, e acho absolutamente burro achar que prendê-los mais cedo vai fazer mudar alguma coisa.

    E junto a tudo isso, tem a questão que obviamente quem será preso aos 16 anos é o filho dos pais negros, pobres e marginalizados por nossa sociedade. Os que dirigem carros importados bêbados e matam pedestres dormirão no máximo uma noite na delegacia.

    Não vejo estes adolescente como vítimas, que fique claro. Mas vejo como parte de um SISTEMA, do qual nós também fazemos parte. aquela velha história de que "o buraco é mais embaixo", sabe? Adolescentes tem que ser ensinados a pensar, a serem seres críticos a atuantes por sua comunidade, e prendê-los não vai melhorá-los em nada.

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  3. Breno Veras

    Entendo o que a Marina falou abaixo. Concordo com muita coisa. Sei que diminuir a maioridade penal não será a solução dos nossos problemas. Mas penso que um adolescente de 16, 17 anos tem plena convicção dos seus atos e pode sim responder criminalmente. A questão é deveras complexa e debater é preciso.

    Breno Veras

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  4. Cleon Bassani (cleon.bassani@gmail.com)

    Está aí uma discussão que parece encerrar o debate em torno do ovo ou da galinha... vejo a delinquência no dia-a-dia como a Marina, pela sua feição mais crua (na prática, minha interação se dá na revisão das medidas socioeducativas).

    Tendo por mãe uma pedagoga, que trabalho sua vida toda com menores carentes, penso, assim com a Marina, que há certa política higienista na redução da maioridade; é simples (pra não dizer ingênuo, cínico e demagogo) apontar, de um lado, que as crianças e adolescentes dependam de certa condução (como condição à própria formação) e, por outro, possam ser livremente punidos, como os adultos.

    Fazer a recorrente e rasteira comparação com outros modelos - sobretudo o americano, que é sempre grande vedete na aproximação de modelos éticos - beira o leviano; é como distinguir classes (estratos sociais) sem limitar causas. Dito de modo mais simples: não se consideram as variáveis que formam uma ou outra sociedade (desde educação até oportunidades), como se tudo pudesse ser medido de modo raso e superficial, matematicamente.

    Eventualmente a redução da maioridade poderia surtir algum efeito, se outras medidas (aquelas tão surradas, que todos bem conhecemos) fossem antes implementadas. Por isso, politicamente, o discurso é fajuto, um quase-estelionato, e nas mãos de profissionais da saúde - falo com certo conforto porque vejo muita propriedade também no discurso do Caligaris - o argumento é simplista, bem ao gosto do utilitarismo: a prisão precoce, por si, passa a ser a solução (e, veja-se, o próprio autor não acredita na mágica da medida socioeducativa).

    Em suma, o que parece - e o processo penal revela isso cotidianamente - é a triste realidade, a miséria de nós mesmos, que o próprio Contardo já ensaiou aqui: nessa frágil tendência de nos imaginarmos mais especiais que os outros, defendemos um discurso contraditório, em que pretendemos que os outros sejam "bons" como nós somos. Aí só Leminski a me socorrer: "Gente que mantém / pássaros na gaiola / tem bom coração. / Os pássaros estão a salvo / de qualquer salvação."

    E vivamos nós com a arrogância e a imponência da nossa bondade, salvando os pequenos pássaros.

    Um abraço a todos.

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  5. João Rufino

    Na minha opinião criminosos nao tem idade . Pode ser avaliada sua capacidade de entender o mal que causaram e atenuar ou aumentar a pena dependendo da situação . Correção sempre é necessária para aqueles que desejam viver sociedade . Crimes hediondos nem animais cometem. Quem faz por motivo fútil é doente deve ser tratado . A idade ou a situação de
    Necessidade torna-se irrelevante face a brutalidade e loucura de alguns.
    João Rufino

    Enviado via iPhone por João Rufino

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  6. Paulo

    Algumas classes de "humanos"deveria ser repensada.Concordo com Contardo "A natureza não da saltos" ou seja não ha como mudar

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  7. Cleon Bassani< cleon.bassani@gmail.com >

    Bingo, Paulo. E quem fará a reclassificação? Quem serão os bons a nos oferecer a salvação?

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  8. Adriana Obrecht

    Marina,
    Compreendo seu ponto de vista, muitos dos adolescentes que cometem delitos foram vítimas de um sistema cruel que não lhes tratou com devido respeito, consideração e carinho, e, quando conhecemos mais de perto suas histórias, em alguns casos, chegamos mesmo a pensar que eles não poderiam ter tido outro destino que não o da criminalidade.
    Mas veja, não podemos permitir que uma vítima da sociedade faça outras vítimas igualmente inocentes. Se um adolescente representa ameaça de vida aos demais, ele deve estar preso.
    E não podemos esquecer que não são apenas adolescentes de origem pobre e de passado trágico que cometem crimes graves contra a vida. Meu amigo que está morando em Brasília disse que por lá adolescentes de classe média alta continuam ateando fogo em mendigos.
    Penso que, em casos de crimes graves contra a vida, os adolescentes podem e devem responder como adultos.
    Em casos de delitos menores, a situação pode continuar como está.
    Não se trata de reduzir a maioridade penal para todos os casos e passar a punir um adolescente que comete um furto como fosse um adulto, mas sim de punir com rigor os crimes mais graves, ainda que cometidos por adolescentes. Em primeiro lugar, o direito à vida.

    Adriana

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  9. Luciana Aidar

    Adriana, arrasou! Adorei seu texto.

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  10. Rosangela de Toledo

    Adriana, compartilho contigo o pensamento.
    Não acho que a "grande culpa" seja só do "sistema" e sim das famílias.
    Há famílias que não sabem cuidar/criar seus filhos para serem seres humanos e sim... delinquentes...
    Outras famílias criam serem humanos para serem "mortos" pelos delinquentes.
    Bem, como a maioria não tem família... os bons estão em menor número, infelizmente.
    Há adolescentes que têm tantos crimes que nem prisão adiantaria...

    Rosangela

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  11. Adriana,concordo.

    Existe algumas patologias,irreversíveis,que necessitam da exclusão do convivio social independente da classe,idade,escolaridade,
    Paulo
    Se temperarmos com as drogas estes individuos ,doentes ,fogem a qualquer parâmetro do meio social.

    Paulo

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  12. Paulo

    Cleon
    Sem classificação e julgamento. A espécie humana é por natureza violenta encontrando um ambiente ,meio, propício o resultado é este.
    Venho observando ,não o civilizado ,a sociedade indígena. Muito a aprender. Uma pena que nossos colonizadores,e outros, não perceberam.


    Paulo

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  13. Amarildo ( amarildoserafim1@hotmail.com )

    Adriana e Marina,
    Li com muita atenção o ponto de vista de vocês, confesso que fiquei com inveja por não ter sido pensado por mim. Tanto um ponto de vista como outro denotam uma reflexão madura a acerca de um tema tão delicado. Penso que por mais que queiramos dizer que estes adolescentes não estão se adequando a expectativa da sociedade, percebo que justamente esse processo civilizatório é que tem sido responsável por produzir cada vez mais indivíduos com tendências ao descompasso com a lei.
    Concordo com a Marina que estes adolescentes são fruto do meio, mas em algum momento esse mesmo meio precisa reagir, pois aquilo que o adolescente julga ser sua falta ele não pode buscar a qualquer custo, ainda mais quando o custo é a vida de pessoas que igualmente se esforçam para que essas mesmas carências sociais sejam compensados por meios lícitos.
    Concordo com a Adrina no diz respeito a redução da maioridade penal restrita e não total, ou seja, em casos específicos e graves acima de tudo em Crimes contra a vida e em crimes de tráfico de droga, uma vez que na maioria dos casos esses adolescentes assumem uma culpa para acoitar o traficante verdadeiro.
    Contudo, acho que este assunto ainda renderá pano para as mangas. Não adianta secarmos o chão se não consertamos o vazamento, é o mesmo que enxugar gelo. Precisa-se de mais investimentos em estruturas estatais para cumprimento de medidas socioeducativas em regime fechado e o mais restrito possível. Entre prendê-los e mandar para essas mesmas cadeias e penitenciarias que existem hoje e deixá-los em liberdade assistida ou Medida socioeducativa de prestação de serviço a comunidade, prefiro que se deixe como está; O risco deles dentro de uma prisão é potencializar o que pretendemos que se esfrie: a sua violência!

    Amarildo Serafim
    www.amarildoserafim.blogspot.com.br

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