quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Notas do diário das eleições nos EUA


 A austeridade é um remédio religioso para a crise: gastamos e pecamos, o perdão virá pela penitência 

 3/11 - Observadores, dentro e fora dos EUA, dizem que o país está dividido, "polarizado" entre dois extremos. Mas de que extremos estão falando?

 À direita, existe, de fato, um extremismo, que hoje é encarnado pelo movimento Tea Party e que conta com representantes eleitos. Por que é um extremismo? Um traço decisivo é o revisionismo histórico: para conferir um selo de nobreza às suas ideias, o pessoal promove qualquer lorota sobre o passado dos EUA -sobre o que teriam pensado os pais fundadores, sobre o "verdadeiro" sentido da constituição etc.

 Outro traço é o fundamentalismo religioso, que se expressa em ideias assustadoras, como as do candidato ao Senado para quem, se uma mulher estuprada ficar grávida, é que, na verdade, ela gostou.

 Mas à esquerda não existe nada equivalente. Ou, se existe, é tão recente e marginal quanto o movimento Ocupe Wall Street.

 Uma consequência dessa disparidade foi notada por E. J. Dionne (no ótimo livro sobre a pretensa polarização dos EUA, "Our Divided Political Heart", nosso coração político dividido, Bloomsbury, 2012).

 Quando Romney promete governar próximo do centro, e não segundo a vontade da maioria de seus eleitores republicanos, sua promessa faz sentido, e podemos esperar que ele seja menos truculento do que muitos parlamentares de seu partido.

 Mas, quando Obama faz uma promessa análoga, ele promete se afastar de qual esquerda "extrema"? Como ele faria concessões para governar o país ao centro, visto que ele já é e sempre foi o centro?

 4/11 - O psicólogo Drew Westen é autor de um livro notável sobre a irracionalidade das escolhas políticas, "O Cérebro Político" (Unianchieta).

 Num artigo no "New York Times" de hoje, ele afirma que, seja qual for o presidente eleito, a guinada será à direita. Eis a argumentação. 1) Se Romney perder, seu partido pensará que foi porque ele não se mostrou suficientemente conservador; 2) se Obama perder ou ganhar por um fio (dá na mesma), seu partido pensará que ele perdeu (ou quase) porque se arriscou à esquerda além da conta ou antes da hora (e, com isso, assustou os americanos, com a reforma da assistência médica e com a política de subsídios à economia).

 Ou seja, é como se todos se preocupassem com o que pensa uma suposta maioria de direita.

 Ora, na campanha eleitoral, Romney ganhou intenções do voto quando ele começou a desmentir tudo o que ele tinha proposto antes, tomando posições mais progressistas. E Obama recuperou sua popularidade quando começou a atacar agressivamente os privilégios fiscais dos mais ricos. Ou seja, talvez o eleitorado seja menos "de direita" do que pensam os candidatos e os políticos.

 5/11 - Eis um exemplo da tese de Westen sobre o importância das emoções nas escolhas políticas. Os republicanos se dizem conservadores fiscais; segundo eles, o governo não deveria estimular a economia, mas praticar a austeridade e reduzir o deficit.

 Em geral, essa "austeridade" se traduz no fato de que o povo se austeriza e alguns lucram com a austeridade dos demais. Mas, fora qualquer consideração econômica, o discurso da austeridade (tanto nos EUA como na Europa) evoca a ideia religiosa de penitência. Gastamos muito, pecamos -e agora só obteremos o perdão divino passando por uma merecida penitência (jejum, autofustigação e austeridade como soluções para a crise).

 6/11 - Hoje, no distrito da rua 48 West, em Nova York, as filas eram longas. Levei duas horas para votar. Bom sinal para os democratas. Mas Nova York significa pouco numa eleição -a cidade sempre foi um reduto democrata. Mais significativos, nos últimos dias, foram os apoios a Obama de dois republicanos, o governador de Nova Jersey, Chris Christie, e o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. Será que a dureza do furacão Sandy, por um momento, aboliu o caráter abstrato das oposições eleitoreiras e permitiu pensar no "bem comum"?

 6/11 - Obama ganhou: alívio. Uma vitória de Romney daria força, inevitavelmente, às ideias da parte pior do partido republicano. Alguns dirão que essas não são as ideias de Romney, por mais que ele as tenha defendido na campanha. Justamente, este teria sido o problema maior de uma presidência Romney: ao longo de toda a campanha, ele me apareceu como um homem sempre pronto a se transformar de maneira a ser exatamente como seus interlocutores do momento desejavam que ele fosse.

 É uma qualidade? Talvez, num candidato. Num presidente dos EUA, seria catastrófico.

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