Como diz a turma dos bêbados: com prostituta vale tudo, pois, de qualquer forma, ela se dá para todos
COMO MUITOS, fiquei perplexo diante da recente decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que inocentou um homem acusado de estupro por ter se relacionado com três meninas de 12 anos que se prostituíam.
Os fatos aconteceram antes de 2009, quando o Código Penal passou a considerar como estupro qualquer relação (mesmo aparentemente consensual) com menor de 14 anos, pois, de qualquer forma, o menor não seria capaz de consentir com discernimento.
As leis não sendo retroativas, o STJ julgou no quadro legal de antes de 2009, e o homem foi inocentado porque, as meninas sendo prostitutas, a relação com elas não teria sido propriamente estupro.
Inevitavelmente, o argumento ressuscita o preconceito segundo o qual a condição da vítima faria diferença na hora de decidir se houve crime contra ela ou não. É o ranço das turmas de bêbados frustrados do sábado à noite: com prostituta e travesti de beira de estrada vale tudo, pois, de qualquer forma, eles se dão para todos, não é?
Mas não é só isso: o cliente de uma prostituta de 12 anos é, no mínimo, cúmplice da violência de quem, direta ou indiretamente, levou a menina a se prostituir.
Claro, a prostituição pode ser uma escolha livre, mas essa liberdade, em nossa cultura, só pode ser reconhecida a quem é maior de 18 anos -certamente não a meninas de 12. Essa observação, com a qual todos concordamos (imagino), introduz forçosamente uma pergunta: o que é, para nós, um menor? Como definimos esse ser "provisório", que precisa ser protegido, inclusive de seus próprios impulsos?
Digo logo: a pergunta e a tentativa de responder são interessantes, mas não mudam nada quanto ao fato de que sexo com uma menina de 12 anos, em nossa cultura, só pode ser estupro. Vamos lá.
Se tentarmos definir o menor por seu desenvolvimento inacabado, encontraremos dificuldades insolúveis. Digamos que a criança não tem experiência, saber, estruturas cognitivas ou maturidade suficientes para escolher de maneira responsável. Concordo, mas o problema é que há coortes de adultos que poderiam ser considerados como crianças por falta de experiência, maturidade, saber etc.
Por exemplo, no recente "Incognito - As Vidas Secretas do Cérebro" (Rocco), David Eagleman mostra que muitos criminosos são impulsivos como pré-adolescentes e apresentam um desenvolvimento incompleto do córtex pré-frontal comparável ao das crianças. Se escolhermos esse critério para definir a imaturidade infantil, deveríamos soltar esses indivíduos, considerá-los como crianças (não como criminosos) e mandá-los de volta para a escola, para que se tornem adultos e responsáveis por seus atos. Problema, hein?
De fato, as definições da infância por falta de maturação etc. são incertas. Talvez seja mais fácil defini-la pelo caráter especial de nosso amor: crianças são as que protegemos para que conheçam uma felicidade que nos fugiu e para que continuem nossa breve vida.
Por isso, aliás, preferimos manter as crianças longe das necessidades, dos perigos, das violências e também do sexo, que é, para nós, uma fonte frequente de frustração.
Há tempos (desde o trabalho seminal de Philippe Ariès, "História Social da Criança e da Família", LTC), os historiadores nos mostram que essa maneira de amar as crianças surgiu com a modernidade. Com o desencanto do mundo e a morte de Deus, a vida individual se tornou o único horizonte da existência moderna: as crianças nos consolariam, portanto, de nossa mortalidade, pois, por elas, duraremos um pouco mais.
É bonito e faz sentido. Mas, às vezes, o amor moderno das crianças parece grande demais: por exemplo, fato provavelmente incompreensível por um indivíduo clássico, nós achamos a morte de uma criança infinitamente mais trágica do que a de um adulto. E o mesmo vale para o estupro.
Ora, um excesso de sentimentos ternos, amorosos e protetores é facilmente o sinal de uma formação reativa. Em outras palavras, talvez, para explicar os excessos de nosso amor pelas crianças, seja preciso supor que, de fato, nós as odiamos porque, justamente, 1) elas nunca estão à altura da expectativa de que compensem tudo o que não deu certo em nossa vida e 2) elas estarão aqui quando nós não estivermos mais.
Em suma, não paramos de proteger as crianças delas mesmas e do mundo, mas as protegemos tanto que fica difícil não imaginar que queiramos sobretudo (ou também) protegê-las de nós mesmos.
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