Por que os moradores da Rocinha não pensariam que houve apenas troca de uma máfia por outra?
A Rocinha não é bem uma favela. É um imenso bairro de classe média (mais ou menos baixa), que contém áreas de favela, como os barracos encostados no morro Dois Irmãos.
E é um bairro alegre: a proximidade entre a maioria dos moradores e seu local de trabalho faz com que as "favelas" da zona sul carioca não tenham o aspecto depressivo de dormitórios suburbanos.
Para os menos abastados, é ótimo viver em pequenas aldeias familiares, onde sempre há um parente para cuidar das crianças e ficar de olho nas posses. Na Rocinha, esse costume criou prédios de três ou quatro andares. O patriarca (nos anos 1950) fincou fundações boas e profundas, os filhos construíram em cima da laje dele. A precariedade das estruturas é apenas uma aparência, pela falta de reboco.
Enfim, no domingo, fui passear pela Rocinha pacificada.
Na estrada da Gávea, agora, os mototáxis exigem que, para subir na garupa, você coloque o capacete (que eles fornecem, claro).
Finalmente, a rua quatro, aberta pelo PAC em 2010, é transitável (tinha sido obstruída pelos bandidos, para que houvesse um acesso único ao bairro -mais fácil de controlar).
O turismo tem novas atrações: a academia onde treinava o Nem, a casa do Nem e o restaurante onde ele almoçava. Mas não há mais soldados do tráfico exibindo orgulhosamente suas armas. Para o turista, os policiais são menos pitorescos.
Sumiu a boca de fumo da via Apia (entre o restaurante Varandas -a picanha na chapa continua boa- e o Trapiá -sem vista, mas com ar-condicionado).
A venda de drogas continuará em outros lugares da cidade do Rio. O que foi abolido pela invasão não foi o tráfico, mas a independência de um enclave que o tráfico ocupava -policiando, administrando a Justiça, cobrando serviços. Por exemplo, a ADA (Amigos dos Amigos), na gestão de Nem, cobrava a "gatonet"; agora, será cobrada apenas a NET, sem gato. Para os usuários, não será uma grande mudança.
Domingo é o dia da feira do Boiadeiro (onde ainda é possível encontrar cabeças de porco, pés de boi, galinhas e coelhos vivos). Pela feira circulam policiais militares pesadamente armados. Duas semanas atrás, pela mesma rua, circulariam soldados da ADA, menos marciais, mas também garantes da ordem: um ladrão seria surrado, um estuprador poderia ser morto e desovado na mata.
Encontrei alguém que "mexeu com uma mulher do Nem" (ofereceu carona -cortesia excessiva). Quebraram-lhe a mandíbula. Nada de mais: nas terras de Fernandinho Beira-Mar, a mesma conduta teria dado tortura e morte.
O maior problema da ocupação pelos bandidos, para os moradores, era o estado de guerra: o tráfico defendia a Rocinha contra invasores de outros morros e contra a polícia, que era mais um grupo rival (o espectador de "Tropa de Elite 2" sabe que, muitas vezes, a substituição do tráfico pelas milícias foi parecida como a substituição de uma gangue por outra).
Conclusão: a Rocinha festejou a pacificação com cautela -e não tanto por medo da volta eventual do tráfico. Para quem foi vítima de um longo descaso, a questão da autoridade não é abstrata -no estilo: "Qual é a lei legítima à qual seria justo obedecer, a do Estado ou a do tráfico?". A questão é concreta e simples: "Quem me tratará melhor?".
O Brasil moderno, se quiser governar na Rocinha, deverá merecer a autoridade que ele pretende exercer, ou seja, deverá fazer o que ele, durante muito tempo, não fez: cuidar de seus sujeitos.
É bem possível, de fato, que, a partir de agora, os serviços sociais, culturais, escolares, administrativos e de saúde se desenvolvam com rapidez. Todos contam com isso (aluguéis e custo do metro quadrado na Rocinha subiram 50% numa semana).
Mesmo assim, não será fácil conquistar a confiança dos moradores. Afinal, se nós, aqui no asfalto, achamos que o Estado é corrupto, por que os moradores da Rocinha não pensariam que, até prova do contrário, na semana passada, houve apenas uma troca de uma máfia por outra?
A PM pediu confiança e espera que a comunidade denuncie esconderijos de armas e drogas. Pelos muros da Rocinha, lado a lado, há grafites da Amigos dos Amigos, cartazes com o número do disque-denúncia e outros com o número da corregedoria de polícia. Inquietante: que autoridade é esta, que, ao pedir confiança, deve pedir também ajuda em identificar os bandidos no seu próprio seio?
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