quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A favor ou contra?



É o pior momento para argumentar, porque, numa eleição, as pessoas precisam ser a favor ou ser contra

NO QUE prometia ser um belo dia de primavera de meados dos anos 1970 em Paris, um jovem psicanalista trabalhava no plantão de uma enfermaria psiquiátrica.

Considerando a exiguidade do salário que ele recebia, seria mais correto dizer que ele estagiava. De qualquer forma, ele não estava ali pelo dinheiro, mas para enriquecer sua experiência dos caminhos pelos quais a gente enlouquece e sofre.

O jovem psicanalista estava sempre disposto a topar uma parada que pudesse lhe ensinar algo novo. Naquele dia, embora esta não fosse sua atribuição, ele, com um psiquiatra e dois enfermeiros, embarcou na ambulância que respondia a um chamado da polícia do bairro 13. O comissariado recebera o telefonema angustiadíssimo de um homem que acabava de encontrar sua mulher e sua filha de um jeito que não conseguia descrever, mas que, ele gritava, não era normal.

A ambulância chegou antes dos policiais. O marido, desculpando-se por não ter a coragem de voltar lá dentro, apontou na direção da porta do banheiro do apartamento.

O jovem psicanalista foi o primeiro a entrar e descobriu uma jovem mulher, deitada nua na banheira, cantando feliz enquanto brincava com seu bebê na água. A jovem mulher não pareceu perceber a chegada do estranho e o jovem psicanalista se deu conta de que o bebê era curiosamente inerte, rígido e branco: ele estava morto há tempo.

O jovem psicanalista nunca esqueceria o corpinho que ele apertou contra si, como se houvesse uma chance de esquentá-lo de volta para a vida.
Engravidar e dar à luz (apesar de ser o cotidiano da espécie) são experiências tão extremas que elas podem enlouquecer algumas mulheres, em geral temporariamente, logo após o parto.

A internação da mulher de nossa história durou pouco: ela foi declarada não imputável por razão de insanidade e recuperou a dita sanidade rapidamente.

Durante sua internação, soube-se que, dois anos antes, um irmão do bebê morto na banheira também tinha falecido, aos três meses, de morte súbita e inexplicada. A equipe do hospital se perguntou: não seria legítimo esterilizar compulsoriamente as mulheres que matassem seus bebês numa psicose desencadeada pelo parto? De fato, existe um risco estatístico de recidiva caso elas deem à luz outra vez.

A discussão não chegou a conclusão alguma; ficou suspensa entre o respeito pela esperança de uma mãe que quer tentar uma nova gravidez, a dificuldade de garantir o direito à vida dos nascituros e nossa incapacidade de prever, prevenir e intervir a tempo. Pouco importa, pois nisto eu acredito mesmo: todas as discussões que valem a pena são inconclusas.

Bastante tempo depois, o jovem psicanalista, que não trabalhava mais naquele hospital, recebeu um telefonema do psiquiatra que estivera com ele na ambulância. A jovem mulher da banheira pedira uma consulta na mesma enfermaria onde ela fora internada dois anos antes: ela estava grávida e queria saber se corria o risco de enlouquecer de novo e assassinar seu bebê no berço. Que ela perguntasse era um bom sinal, mas insuficiente para responder com segurança. O que fazer? Encorajá-la a abortar ou a apostar que nada aconteceria? Quem sabe sugerir que levasse a gravidez a termo e se engajasse a entregar o bebê, na hora do parto, para a assistência pública?

Não sei a resposta certa e é por isso que me lembrei dessa história.

Uma eleição é o pior momento para debater qualquer questão que seja. Numa eleição, as pessoas precisam ser a favor ou contra.

Ora, as pretensas discussões entre "a favor" e "contra" me inspiram o mesmo mal-estar que sinto quando assisto a uma cena de violência. Faz sentido porque, nessas discussões, ninguém argumenta, cada um apenas reafirma abstratamente sua identificação: em "eu sou a favor" e "eu sou contra", o que mais importa é reforçar o "eu". Com isso, inevitavelmente essas discussões menosprezam, atropelam e violentam a vida concreta de todos.

Depois desse preâmbulo, talvez eu consiga, numa coluna futura, escrever sobre a questão do aborto. Enquanto isso, eis uma leitura que recomendo a todos os que preferem pensar a gritar: "O Drama do Aborto: Em Busca de um Consenso", de dois médicos, A. Faúndes e J. Barzelatto (Komedi). Sobre o tema, talvez esse seja o escrito mais honesto, menos tendencioso e mais generoso que já li.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1410201024.htm

5 comentários:

  1. Concordo com a sua linha de raciocínio. O problema talvez seja chamar de "debate" as afirmações feitas pelos candidatos, como no caso do aborto. Seria mais fácil chamar de , não sei, talvez opinião. Os debates que vemos são realmente mais uma forma de ataque e promoção do que qualquer outra coisa. Seria interessante ver debates sem isso. Contudo, não me parece viável, nem fora das eleições (e me refiro aos debates midiáticos). Infelizmente.

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  2. Escrevi para ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e alguns Blogs Gay expondo meu ponto de vista sobre a militância gay, antes desse episodio: Dilma X Evangélicos, alertando sobre a necessidade de ações concretas em relação as religiões, recebi como resposta o silêncio. Observei, participando de reuniões, congressos e afins voltado para o público gay que a militância de forma geral só se preocupa com siglas, AIDS e parada gay. E que os gays de classe media passam bem longe da sede de qualquer grupo gay.

    Por isso eu peço aos gays leitores desse excelente Blog: participem das reuniões do grupo gay da sua cidade e levem cultura, informação e boas idéias, pois certamente, o grupo gay que te representa, no seu estado, sofre do mesmo mal que a população brasileira em geral: falta cultura. E se lhes falta tempo, ao menos escrevam e cobrem uma postura de miliante.

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  3. A questão não é ser contra ou a favor, e sim, a favor da DESCRIMINALIZAÇÂO.

    E principalmente, adeptos de crendices variadas não devem opininar em questões de saúde pública já que o Brasil supostamente é um estado laico.

    E nós homens também não temos muito cacife na questão, e por experiência própria, um homem NUNCA saberá o que é passar por uma gravidez indesejada e não ter a quem recorrer.

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  4. …ardiendo
    otoños
    de pasión.

    TE SIGO :


    Con todo
    mi corazón
    desde :


    HORAS ROTAS
    Y
    AULA DE PAZ

    prendidas
    ahora
    para compartir
    ya contigo .

    tu
    bello
    blog
    con
    un
    ramillete
    de
    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    TE SIGO TU BLOG




    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...


    AFECTUOSAMENTE
    CONTARDO CALLIGARIS

    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE ENEMIGO A LAS PUERTAS, CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.

    José
    Ramón...

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  5. Complementando o que O Coisa falou. Nem saberão o que passar por um aborto, mesmo de uma gravidez indesejada. Nem mesmo outra mulher (tendo engravidado ou não) pode saber o que passa com a que decide por isso.
    Eu estou decepcionada de ver para onde a campanha se encaminhou. Como se um/a presidente fosse capaz de decidir sozinho sobre o assunto e que isso não dependesse mais do congresso do que qq coisa... Enfim, excrecencias...

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