quinta-feira, 29 de abril de 2010

Novas mulheres


É bem possível que os homens estejam piorando, mas elas estão cada vez melhor

" SONHOS ROUBADOS" , de Sandra Werneck, entrou em cartaz na sexta-feira passada. Alguns críticos trataram do filme junto com o de Laís Bodanzky, "As Melhores Coisas do Mundo" (sobre o qual escrevi na minha última coluna). A razão desses comentários conjugados é que os protagonistas do filme de Bodanzky são adolescentes de classe média, enquanto o filme de Werneck conta a história de três meninas da periferia. Portanto, juntando as duas películas, teríamos um retrato da adolescência brasileira ou, no mínimo, de seus dois extremos. É nesse estado de espírito sociológico que fui assistir a "Sonhos Roubados" e que li o livro de Eliane Trindade, "As Meninas da Esquina" (de 2005, relançado agora pela Record), que reúne os diários de seis jovens mulheres, três das quais, com condensações e adaptações, são as protagonistas do filme de Werneck.

Mal precisei esperar até a metade do filme para que meu estado de espírito mudasse (e o mesmo aconteceu ao avançar na leitura do livro): rapidamente, eu me apaixonei pelas protagonistas e me esqueci da periferia, que é o pano de fundo da história. Por quê? Simples: é verdade que as três jovens são vítimas da desigualdade social brasileira, mas é também verdade que elas não têm vocação alguma para o papel de vítima. Ao contrário, elas são as admiráveis heroínas de suas histórias.

Jéssica, Daiane e Sabrina vivem de expedientes, entre fugas da escola, pequenos empregos, famílias patéticas e prostituição ocasional. Nessas condições francamente adversas, elas não deixam de inventar a vida.

Jéssica e Sabrina não desistem de ser mães. Daiane não desiste de encontrar uma profissão e uma família -se não um pai, pelo menos uma mãe. As três não desistem de sair à noite à procura de um amor que nunca dá certo, de um pouco de aventura e de umas risadas entre amigas.

De repente, o título do filme, "Sonhos Roubados", parece injusto para com as protagonistas, pois elas, justamente, lutam para que seus sonhos não sejam roubados.

Disse que Jéssica, Sabrina e Daiane enfrentam condições adversas. A condição mais adversa de todas são os homens, que são insignificantes ou funestos. A galeria é devastadora.

Há o pai de Daiane, que morre de medo de ser pai. Há o avô de Jéssica, simpático por ser beberrão e inepto.

Há o ex-marido de Jéssica, fantoche nas mãos de sua própria mãe. Há o tio de Daiane, que abusa da sobrinha-enteada. E há a fileira dos violentos e boçais, encabeçada pelo namorado de Sabrina.

Com esses homens, Jéssica, Sabrina e Daiane não podem contar. Eles são sombras, incapazes de assumir um amor (seja ele paterno ou conjugal), uma amizade e, na verdade, qualquer compromisso: são todos nanicos morais. A única exceção é o presidiário encarnado por MV Bill -o que me levou a pensar (seriamente) que talvez homem só melhore mesmo na cadeia. Nas periferias e nas favelas, os núcleos familiares estáveis se organizam, em geral, ao redor de mulheres.

A explicação recebida por esse fenômeno diz que um lugar social desfavorecido, subalterno ou marginal corrói a "virilidade" dos homens e, portanto, torna-os ou nulos ou violentos (como se eles precisassem compensar na marra a virilidade perdida).

Mas será que essa debandada masculina é apenas um fenômeno de nossas periferias? Ou será que, periferia ou não, os homens de hoje (para usar uma expressão da Carol do filme de Laís Bodanzky) são mesmo um pouco (ou muito) "cuzões"?

Não sei responder, mas o fato é que o filme de Sandra Werneck não me deixou nem um pouco aflito. Ao contrário, saí do cinema alegre, pensando: é bem possível que os homens estejam piorando, mas, por sorte, as mulheres estão cada vez melhor. Como assim?

Nas primeiras décadas depois dos anos 1960, parecia que as mulheres, para afirmar sua independência e conquistar sua cidadania, teriam que renunciar a ser "mulher", pois, por exemplo, a maternidade e o próprio desejo sexual eram considerados como caminhos de submissão ao homem e ao patriarcado.

Pois bem, as meninas de "Sonhos Roubados" não renunciam ao sexo nem à maternidade; elas podem até se servir de seus charmes para arredondar o fim de mês ou o fim de semana. Mas não por isso elas dependem dos homens. Talvez seja porque não há homens de quem depender. Talvez seja porque elas são as novas mulheres -mulheres sem a culpa de serem "mulher".

4 comentários:

  1. Olá, ainda não tive oportunidade de assistir aos filmes, mas é um assunto que tem sido pautado pela docente da cadeira de Desenvolvimento humano, pena que de forma preconceituosa e tendenciosa.
    De toda a explanação do texto a frase final é um conceito que deviria extirpar a culpabilidade da Mulher por ser 'mulher'. A mulher, não obstante possuir o igual valor humano do homem, é um símbolo de vida.
    Sob a bandeira de Betty Friedman, os movimentos feministas distorceram (como salientou a própria Betty)os valores e as pautas das lutas e do movimento. As mulheres 'se tornaram livres' mas não libertas e ainda 'ganharam o plus' de agregar pejorativo ao sexo feminino.
    Claro que não deve haver culpa, como nunca deveria ter sido 'sutilmente impetrado na subjetividade delas' tal conceito. "Que droga ser mulher (para não ser vulgar aqui), ser sofrida...e sou guerreira!(que horrível isso...). Mulher não é lixo social!...e se não tomarmos cuidado, logo logo essa frase cairá sobre os homens também, em uma virada de jogo. Se houve e se há mulheres sofridas (e há) é porque há homens que também sofreram(sofrem). Sofrem com o descaso, sofrem com o desprezo, discriminação e descarte social (enquanto força trabalhadora). Como peças desgastadas, são substituídos...e não há importância que 'carregam' junto á família. A virilidade sim...vem a tona...enquanto o ser, agora desprovido de afeto social e familiar, faz involuntariamente emergir as características primitivas de sua espécie, tornando o humano quase não humano, em sua busca de satisfação dos reforçadores primários de sua filogênese. Assim, esse homem que desumaniza a mulher o faz por também já haver sido desumanizado (não?)
    Porém, a questão maior e não absorver a idéia e assim poder agir contra ela. Então, que proliferemos que as mulheres não são culpadas de haverem nascido ‘mulher’.
    Irei propagar isso pelo blog, emails de amigos(se me permite)...para que sim, possa contribuir, no meu universo de relacionamento, para descompor a autodepreciação feminina.

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  2. O filme é excelente. Passei boa parte da projeção pensando justamente na situação patética que nós homens nos encontramos atualmente diante de mulheres que não têm medo de assumir seus sonhos.
    Gostei muito da sua reflexão.
    Damião

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  3. lindo o post, gostei muito. Realmente, alguns homens estão perdidos em seus papéis e muitas mulheres estão se encontrando mais, aos trancos e barrancos.

    não é a toa que sigo seu blog
    abraços

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  4. Ainda não assisti esse filme, mas ainda penso que tanto homens, quanto mulheres estão à procura do par perfeito e quando encontra é preciso cuidar, pois o que segura o casal é a dependência afetiva (sorrio).
    Aproveito a sorte de estar aqui em seu blog e lhe convido para opinar em meu trabalho que já dura quase três meses (O Diário de Bronson).

    Abraço do Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

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