Não é mais ridículo, aos 60 ou mais, querer uma companhia de vida, um amor ou só uma transa |
SE ME lembro direito, 20 anos atrás era freqüente participar de conversas animadas em que se discutia a questão seguinte: devemos ou não deixar nossos filhos e nossas filhas adolescentes dormir em casa com suas namoradas ou seus namorados?
Aparentemente, o partido do sim ganhou. Em geral, a razão que ele invocava (e ainda invoca) era a segurança: é melhor que minha filha esteja no seu quarto com o namorado do que em baladas perigosas ou, pior ainda, "brincando" no carro numa rua deserta. Também contava o fato, comprovado, de que um namoro é quase sempre uma experiência mais rica e mais "madura" do que a agitação das turminhas.
Naquelas conversas dos anos 80, eu ficava em cima do muro e torcia, de leve, pelo partido do não. Achava problemático que os adolescentes tivessem uma espécie de vida conjugal sem ter conquistado sua autonomia: para juntar-se com um parceiro ou uma parceira (a ponto de dormir na mesma cama com ele ou com ela a cada noite ou quase) seria melhor, primeiro, não precisar mais se definir como filho ou filha.
Continuo pensando que eu tinha um pouco de razão: prova disso, os inúmeros casamentos em que um dos membros do casal se queixa de que o outro continua sendo mais filho ou filha do que marido ou mulher.
Mais um detalhe. Freqüentemente, a conjugalidade precoce e protegida de dois adolescentes na casa dos pais é uma caricatura da conjugalidade adulta menos interessante: consiste mais em assistir, na cama, a filmes alugados do que em sair juntos pelo mundo ou mesmo em praticar a arte difícil de se descobrir mutuamente.
Seja como for, o partido do sim ganhou sobretudo por uma razão que não se confunde com as justificações habitualmente propostas.
Acontece que, nas últimas décadas, pela freqüência dos divórcios, a metade dos jovens viveram sua adolescência em companhia de apenas um de seus pais. E muitos desse jovens foram espectadores assíduos (e, às vezes, até confidentes) do folhetim das aventuras e dos namoros de sua mãe ou de seu pai.
E, claro, com que moral o pai ou a mãe divorciados proibiriam o filho ou a filha de levar seus amores para casa se eles mesmos não fazem diferente? Essa grande mudança na vida familiar teve dois efeitos significativos e, a bem dizer, positivos.
O primeiro é que os adultos começaram a levar mais a sério a vida amorosa de seus filhos adolescentes: as brincadeiras condescendentes (o detestável "e aí, tem namorado?") acabaram ou quase.
O segundo efeito aparece agora, 20 anos depois: à força de conviver com os namoros, os namoricos e as decepções, em suma, com as alegrias e as tristezas das paixões de seus pais divorciados, os adolescentes abandonaram a idéia (freqüente em minha geração) de que a vida amorosa e sexual dos adultos seria uma mesmice comportada -que, aliás, no caso dos pais, teria acabado de vez depois da troca mínima que foi necessária para que eles, os filhos, fossem concebidos.
Os adolescentes que tiveram essa experiência são agora jovens adultos, e seus pais são idosos. Apesar da valorização cultural do corpo jovem e sarado como se fosse o único desejável e capaz de desejar, é lógico que esses jovens adultos estejam dispostos a reconhecer que a terceira idade não corresponde a nenhuma aposentadoria do amor e do sexo, ou melhor ainda, que ela não corresponde a nenhuma "maturidade" das paixões: os "idosos" amam e desejam com o mesmo transporte e a mesma ingenuidade dos adolescentes (e, claro, dos ditos adultos).
De repente, hoje, não é ridículo ter 60 anos ou mais e propor um perfil num site de encontros amorosos na internet; não é ridículo, aos 60 ou mais, querer uma companhia para o resto da vida, um amor ou mesmo apenas uma transa.
O bonito filme de Laís Bodanzky, "Chega de Saudade", que estreou na semana passada, nos leva para um baile. Há muitos assim, pelo país afora, em que homens e mulheres da terceira idade se procuram e dançam a cada semana.
Estamos aprendendo, aos poucos: a grandeza (e a mesquinhez) do amor e do desejo não têm estação.
Mas não é apenas por isso que o filme é tocante: é porque no baile, na pista de dança, o enlace do parceiro ou da parceira revela que estes corpos, que talvez tenham chegado mancando, endurecidos pela idade e de pés inchados, são corpos bonitos, eróticos, vivos.
No filme "O amor nos tempos do colera, baseado no livro do Gabriel Garcia Marques, há uma cena maravilhosa, em que o personagem Florentino, já idoso, finalmente consegue ter o amor físico da sua adorada Fermina, por quem ele esperou a vida inteira. Seus corpos são mostrados num instante de rara beleza, ela se deixa ver com a entrega sensual, e ambos atuam representando um casal de mais de 70 anos, consumando o ato sexual. De uma riqueza realista e não estereotipada. Momento raro da tela, e a consumação do desejo que os perseguiu desde a juventude. Show de erotismo na terceira idade. E muito romantismo, evidentemente!
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