As pesquisas sobre motivação são biquínis: mostram muita coisa, mas não o essencial |
Na nossa percepção da subjetividade humana, acontece uma coisa análoga. Posso saber que minhas escolhas são o efeito de meus genes, de meu passado, da forma e da quantidade de minha matéria cerebral, mas nada disso altera o sentimento fundamental de que estou agindo livremente. Isso vale também para os outros: reconheço tudo o que os determina, mas lhes atribuo a mesma liberdade com a qual imagino agir.
Nunca encontrei um drogado, alcoólatra ou fumante que não declarasse poder parar quando quisesse.
E nunca encontrei um familiar ou próximo de drogado, alcoólatra ou fumante que não pensasse, em última instância, que o "viciado", para deixar seu "vício", precisaria sobretudo de boa vontade.
Essa diferença entre nosso saber e nossa percepção (de nós mesmos e dos outros) alimenta um paradoxo, que é provavelmente salutar: pedimos que a ciência transforme o mistério das motivações humanas num cálculo exato, mas acreditamos na responsabilidade, na culpa e na possibilidade de redenção (idéias que pressupõem a liberdade do sujeito).
Quem tem razão: nossa percepção ou nossa ciência?
Seja como for, meu professor de estatística na Universidade de Milão começava seu curso de primeiro ano com esta declaração (um pouco machista): "A estatística", ele dizia, "é como um biquíni: ela mostra muita coisa, mas esconde o essencial". Pois é, as pesquisas científicas sobre a motivação humana são quase sempre biquínis, e não só porque os resultados têm valor estatístico.
Eis um exemplo. Desde 1990, graças a uma pesquisa desenvolvida por Antônio Damásio, presume-se que exista uma relação entre o comportamento anti-social do psicopata e alguma redução do córtex pré-frontal. Damásio verificou essa correspondência em sujeitos que se tornaram impulsivos e violentos depois de um acidente.
A seguir, uma série de pesquisas mostrou que essa correlação vale especificamente para a matéria cinza, cuja redução seria responsável pela falta de inibições, já identificada como uma caraterística clássica dos psicopatas.
Recentemente, a revista "Biological Psychiatry" (2005, vol. 57) publicou uma pesquisa de Yang, Raine e outros, "Volume Reduction in Prefrontal Gray Matter in Unsuccessful Criminal Psychopaths" (redução de volume na matéria cinza pré-frontal em psicopatas criminosos fracassados). Esse título curioso se justifica porque os autores, por uma vez, tiveram a idéia de comparar três grupos: um grupo de controle (cidadãos comuns e pacíficos que nem a gente), criminosos aprisionados (que seriam, portanto, psicopatas fracassados, visto que se deixaram prender) e criminosos que nunca foram presos (aqui, obviamente, reunir o grupo foi difícil).
É uma novidade notável: em regra, nas pesquisas sobre a mente criminosa, os pesquisadores recrutam seus sujeitos nas prisões, sem levar em conta dois fatores. O primeiro é uma antiga constatação da psicologia social: o próprio ambiente carcerário transforma os sujeitos. O segundo (salientado pelos autores da nova pesquisa) é que talvez exista uma diferença psíquica e cerebral entre os psicopatas que se deixam pegar - ou seja, como sugerem os autores, os criminosos fracassados - e os bem-sucedidos, que conseguem perpetrar seus crimes em toda liberdade.
Pois bem, o resultado da pesquisa é o seguinte: nos criminosos fracassados (aprisionados), há, de fato, uma redução do volume da matéria cinza pré-frontal, enquanto os psicopatas bem-sucedidos (que evitam a prisão) têm um córtex parecido com o nosso.
Moral da história: a redução de matéria cinza no córtex não nos diz quem é psicopata e quem não é; ela nos indica apenas quem é impulsivo e, portanto, se for criminoso, tenderá a agir de maneira a ser preso. Note-se, de passagem, que, normalmente, os psicopatas criminosos de colarinho branco são menos impulsivos que os assaltantes de farol; é bem possível, aliás, que haja mais psicopatas fora da cadeia do que dentro.
Enfim, uma recomendação: de qualquer forma, se você for psicopata e criminoso, fique frio.
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