quinta-feira, 9 de outubro de 2003

Para Diane Arbus


Entre 25 de outubro e 8 de fevereiro de 2004, o Museum of Modern Art de San Francisco oferece "Diane Arbus: Revelations". É a maior retrospectiva realizada até hoje da obra de Diane Arbus, a fotógrafa nova-iorquina que, entre 1959 e 1971, jogou seu olhar inigualável e inquietante sobre a modernidade urbana. O catálogo é publicado pela Random House.

Complemento indispensável, no museu de arte do Mount Holyoke College (Massachusetts) está aberta até 7 de dezembro a exposição: "Diane Arbus: Family Albums" (catálogo pela Yale University Press).

Nota: existe uma boa biografia de Diane Arbus, escrita por Patricia Bosworth, "Diane Arbus: a Biography".

Durante os anos 50, Diane e o marido, Allan Arbus, foram fotógrafos de moda para a "Vogue" e a "Glamour". Era, aparentemente, um pequeno conto de fadas: uma infância privilegiada na Park Avenue, um casamento feliz aos 18 anos, duas filhas adoráveis e o sucesso.

No fim da década, o cartão-postal rachou: o casal separou-se e Diane, lutando contra episódios depressivos, foi fotografar o mundo do outro lado do espelho. Começou a frequentar os circos ambulantes, o show de "freaks" (monstros) que ainda existe no parque de atrações de Coney Island, em Brooklyn, e outro que funcionava na esquina da rua 42 com a Broadway, entre sex shops e prostitutas.

Uma década de retratos começou assim, com Presto, o comedor de fogo, Jack Drácula, o homem tatuado, Gregory Ratoucheff, o anão russo, Moondog, o percussionista de rua cego, Seal-Boy, o menino-foca sem braços. Logo foi a vez de travestis, transexuais, sadomasoquistas e adeptos do suingue: à primeira vista, um catálogo da marginalidade destoante.

Diane, o equipamento pesado a tiracolo, tornou-se uma figura familiar das ruas e dos porões nova-iorquinos.

Entre 1959 e 1967, ela manteve uma amizade telefônica com um grande escritor, Joseph Mitchell. Dele, a Companhia das Letras traduziu recentemente "O Segredo de Joe Gould" (leia assim que puder; também assista ao maravilhoso filme homônimo, de 2000, de e com Stanley Tucci). Mitchell, que escrevia para "The New Yorker", é um extraordinário cronista do cotidiano, um passeante à escuta dos derrotados: desde Joe Gould, o alcoólatra sem-teto decidido a registrar todas as palavras humanas numa "História Oral" do mundo, até Olga, a mulher barbuda que queria ser estenógrafa.

Mitchell e Diane Arbus nunca se encontraram, embora deambulassem pelas mesmas ruas, um com caneta e bloco no bolso e a outra com Rollei e Leica no pescoço. Mas falavam por telefone longa e regularmente.

Numa dessas conversas, Diane explicou seu interesse pelos "freaks": "As pessoas atravessam a vida com medo de ter uma experiência traumática. Os "freaks" já nasceram com seu trauma. Passaram no teste da vida. Eles são aristocratas".

Numa outra conversa com Mitchell, ela afirmou que fotografar o estranho era uma maneira de administrar sua própria melancolia. Como? Em cada retrato de "freak", contemplamos o mistério da existência de quem carrega consigo, na excentricidade de seu corpo ou de seus desejos, uma promessa de exclusão feroz. O "freak" ergue-se diante da câmara, risonho ou doloroso, num desafio: persiste na vida, embora conheça dos outros sobretudo a curiosidade impiedosa, fascinada ou horrorizada.

Ele é um protótipo de herói moderno porque sabe como ninguém que a insistência dos olhares não é cura para a solidão.

Diane conhecia esse suplício. Dramaticamente insegura quanto à apreciação de sua obra, procurava na promiscuidade das esquinas o exemplo corajoso dos sobreviventes do deserto urbano. Durou um tempo.

No fim, queixava-se: por que Allan e ela, mesmo separados, não continuariam juntos como irmãos, num vínculo que nunca poderia ser rompido? O laço de sangue parecia-lhe ser o último reduto em que, para poucos próximos, não seríamos "freaks".

De fato (é esse o interesse da exposição de Mount Holyoke), no final dos anos 60, Diane começou a fotografar famílias "comuns": instantâneos de papai, mamãe e molecada ao lado da árvore de Natal, na beira da piscina, no sofá da sala. Mas sua própria arte destruía sua esperança: inexplicavelmente, o olhar de Arbus descobre o "freak" em qualquer um. Os álbuns de família revelam que a solidão e o estranhamento assombram o aparente aconchego do lar.

Repetidamente, durante a década de sua produção, Diane fotografou um homem de dois metros e meio que sofria de uma doença óssea, Eddie Carmel, o gigante judeu. Os retratos não a satisfaziam. Enfim, pensou ter "conseguido": é a famosa fotografia do gigante, na sala de casa, ao lado dos pais, ambos de tamanho normal. Anunciou a Mitchell: "Sabe como cada mulher grávida tem o pesadelo de que o filho poderia ser um monstro? Acho que consegui fotografar esse pesadelo na cara da mãe que olha para o filho, lá em cima, e parece pensar: "Meu Deus, isso não!'".

Nem o olhar de uma mãe ampara o "freak" contra sua monstruosidade. E somos todos "freaks".
Em 1971, aos 48 anos, Diane deitou-se na banheira, tomou barbitúricos, cortou os pulsos e nos deixou mais sozinhos do que já éramos.

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