quinta-feira, 17 de outubro de 2002

Seis razões para votar em Enéas

Enéas Carneiro foi eleito deputado federal por São Paulo com quase 1,6 milhão de votos. Para entender melhor o porquê de seu sucesso, consultei vários eleitores que votaram nele. As respostas que ouvi foram de seis tipos.

1) "Enéas vai encher o saco deles, lá em Brasília." Entende-se: Enéas não é um político. Vai para Brasília como ia para Washington o mr. Smith do filme de Frank Capra ("Mr. Smith Goes to Washington", traduzido misteriosamente para "A Mulher Faz o Homem"). Cidadão comum honesto e idealista como Smith, Enéas enfrentará o sistema político corrupto.

Sonhamos com uma democracia em que os bairros e as vilas escolheriam um de seus membros, que aceitaria o mandato a contragosto, por dever cívico. Nesse sonho, nossos representantes se dedicariam à política temporariamente e por necessidades específicas (um projeto, uma missão). Desconfiamos da política como carreira ou como ambição, e Enéas é o porta-voz de nosso desgosto com os políticos profissionais.

2) "Ele não tem o rabo preso" e "ele não tem papas na língua". Enéas grita e ataca: sua fúria não poupará suscetibilidades. Ele ousará bater em qualquer um, doa a quem doer. É homem adamantino, inteiro, que não aceita negociatas nem alianças duvidosas. Só tem compromisso com a causa fundamental: a da nação.

Nisso ele não é apenas diferente dos políticos tradicionais. Ele representa também o contrário da inevitável covardia de nossos compromissos cotidianos. Votando nele, resgatamos os sapos que engolimos a cada dia. "Não posso mandar meu chefe ou meu tio à p.q.p.? Voto no Enéas. Ele é minha coragem."

3) "Enéas não tenta ser bonito." Ele é o oposto do galã. Aprendemos, eventualmente, que ele pinta a barba, mas pouco importa: ele está acima das frescuras. Nenhum Duda Mendonça apara seus pêlos.

Votando nele, compensamos nossa frustração com as inevitáveis imperfeições de nossa própria imagem. O voto é uma declaração contra o culto das aparências, que sempre enganam. "Detesto o meu próprio "look'? Voto no Enéas, o candidato para quem o "look" não importa. De repente, a imperfeição do meu semblante prova que, como Enéas, eu não engano ninguém: somos autênticos."

4) "Enéas é inteligente." Ninguém conhece bem as idéias de Enéas. Só se constata que ele está indignado. Ora, a indignação é a forma mais barata de inteligência: ela substitui a complexidade pela irritação dos humores. Ao mesmo tempo, sabe-se que Enéas é cardiologista. Dedução: se ele é doutor e tem esporros no lugar das idéias, isso prova que os esporros (os meus, por exemplo) podem ser inteligentes.

Em suma, a indignação é validada como uma maneira de pensar a realidade. É uma receita tradicional da oratória política: o bom orador tem credibilidade suficiente para oferecer esporros em vez de idéias e, assim, convencer seus ouvintes de que, quando eles estrilam, pensam.

5) "Com Enéas não tem conversa." Salvo loucuras um tanto suicidas, a margem de manobra de quem assumirá o poder depois destas eleições será pequena. O contexto internacional e o momento limitam nossas esperanças.

Enéas cura essa impotência: ele nos sugere que tudo o que acontece é efeito de inimigos identificáveis que conspiram contra a gente. O contexto e o momento escondem um complô. Portanto a complexidade do mundo é uma desculpa com a qual não queremos papo: ela não freará a nossa ação.

6) "Ele vai denunciar sem piedade." Enéas não tem medo de designar seus (nossos) inimigos. Seu espírito não é intimidado por empatias espontâneas que sempre sugerem clemência. Ou seja, na hora de acusar invasores e traidores, ele não vacilará, porque não reconhece em si nenhum dos vícios dos culpados. Se pode jogar facilmente a primeira pedra, é porque deve estar sem pecado.
Identificados com Enéas, podemos acreditar que nossos inimigos, por exemplo os corruptos que vendem a nação, sejam radicalmente diferentes de nós. Não teremos medo de apontar o dedo, porque estaremos sem manchas. O sonegador despejará sua raiva sobre a malversação empreendida pelos poderosos, esquecendo o que ele tem em comum com eles. O usureiro bradará contra os juros abusivos dos bancos. O aproveitador, o pequeno corruptor, o fura-fila, o comerciante que não imprime nota fiscal poderão fazer-se paladinos da legalidade.

Enéas redime nossa capacidade de acusar e condenar. Nas suas palavras, o acusado torna-se absolutamente outro, e podemos, por um instante, desconhecer a nós mesmos, ou seja, desconhecer o que há em nós que nos acomuna com os culpados. É um descanso: a acusação feita aos outros nos exime da tarefa de transformar a nós mesmos.

Conclusão: com Enéas, os ideais nos animam, a pureza nos sustenta, somos sinceros porque não somos bonitos, e nossa raiva é inteligente. Também, com Enéas, não cairemos no conto do vigário da complexidade do mundo, mas iremos direto para a garganta do mal. E poderemos desconhecer que somos, todos e sempre, um pouco parecidos com nossos inimigos. Que é que pode haver de melhor?

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